FONTE: Fátima Cardeal, da Agência de Notícias da Aids (noticias.uol.com.br).
Para mim, foi pior do
que quando recebi o diagnóstico de HIV positivo." É assim que Silmara
Retti, escritora e fundadora do Instituto Blablablá Posithivo, de Ubatuba
(litoral de São Paulo), descreve o sentimento que a acometeu quando notou que
estava desenvolvendo a lipodistrofia. Iguais a ela, milhares de mulheres
vivendo com HIV/Aids sofrem ao enxergarem no espelho a própria imagem alterada.
"Homens também, mas nas mulheres a mudança é mais visível, pois seus
corpos ficam masculinizados", explica Mário Warde, cirurgião plástico do
Instituto de Infectologia Emilio Ribas.
Por causa do impacto
dessas alterações físicas na autoestima das pessoas, com reflexo em todas as
áreas da vida, principalmente na saúde, a Agência de Notícias da Aids começa a
publicar hoje uma série de matérias sobre o assunto.
Passados 32 anos da
descoberta do vírus e 18 do início da oferta universal e gratuita dos
antirretrovirais no Brasil, o que permitiu ao tratamento da Aids imensos
avanços, a lipodistrofia, hoje, é uma das maiores preocupações de quem vive com
HIV. Ela gerou mais um estigma ao deixar visível o que passou a ser chamada de
a nova cara da Aids: rostos marcados por sulcos, afinamento de braços, quadris
e pernas, perda de gordura nos glúteos e aumento na região abdominal, no peito
e nas costas, devido à alteração na distribuição da gordura corporal.
"Os
infectologistas não dão muita importância a esse quadro, pois julgam que o mais
grave eles já conseguiram, que é acertar nos remédios para garantir nossa
sobrevivência", diz Silmara Retti, que já foi submetida a tratamentos
reparadores. "Depois de tanta luta para nos colocarem de pé, nossos
médicos temem que a gente passe por cirurgias que impliquem riscos para a nossa
saúde", diz Liana Souza, outra que já fez correções.
Realmente, acertar o
esquema de antirretrovirais de um paciente e garantir a ele qualidade de vida é
uma vitória inestimável. Mas, por paradoxal que pareça, essa vitória, tantas e
tantas vezes, é ameaçada por mulheres e homens que acabam desistindo de tomar
os antirretrovirais justamente porque não querem desenvolver a lipodistrofia. E
as consequências de tal atitude são de alto risco para a vida do paciente, com
aumento da carga viral, desenvolvimento de resistência viral aos medicamentos,
progressão da deficiência imunológica e outros.
"Felizmente, a
mentalidade dos médicos está mudando. Os infectologistas estão olhando mais
para a qualidade de vida do paciente e não só para os números laboratoriais.
Assim, eles começam a dar mais indicações cirúrgicas", diz Mário Warde,
que integrou o grupo técnico responsável pela portaria do Sistema Único de
Saúde (SUS) permitindo o uso do polimetilmetacrilato (PMMA) na reconstrução
facial e trabalhou protocolando preenchimentos de 2003 a 2005.
Como se
desenvolve.
Responsável pelo
ambulatório de lipodistrofia do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP
(CRT), a infectologista Mylva Fonsi diz que o desenvolvimento das alterações
físicas causa muito prejuízo à adesão ao tratamento porque, muitas vezes, as
pessoas o veem como uma causa isolada. "E não é. É uma síndrome metabólica
caracterizada por uma junção de fatores, como alteração de colesterol,
triglicérides, intolerância à glicose, diabetes, hipertensão arterial,
osteoporose precoce. Apré-disposição genética é um importante fator individual,
sendo impossível prever quem e de que forma cada um desenvolverá essa síndrome",
esclarece Mylva.
Nas pessoas com HIV,
segundo a infectologista, somam-se a esses fatores o próprio vírus, a medicação
antirretroviral e a junção dos dois. Mylva explica que essas alterações
físicas, mais conhecidas como lipodistrofia, podem se manifestar de três
formas: lipoatrofia, lipohipertrofia e mista.
A lipoatrofia se
caracteriza pela perda da gordura nas pernas, nos braços, no glúteo e no rosto.
A camada gordurosa subcutânea - logo abaixo da pele - conhecida como coxim,
diminui, deixando à mostra vasos e veias. Acontece que essa camada de gordura
não é um enfeite – como tudo no organismo humano, ela tem sua função.
"Esse coxim funciona como isolante, impedindo, por exemplo, que um corte
chegue ao músculo ou à veia" continua Mylva.
Na lipohipertrofia há
um acúmulo da gordura na região central do corpo (giba, tórax e abdome). Essa
gordura pode se acumular no subcutâneo ou ser visceral (junto aos órgãos
abdominais). A gordura visceral é tipicamente utilizada pelo organismo para
armazenamento de energia de reserva."É aquela que, caso você passe um dia
sem comer, é utilizada para obtenção de energia", diz a
infectologista Mylva.
O vírus ou os
antirretrovirais?
No caso específico
das pessoas vivendo com HIV, qual seria o maior vilão da lipodistrofia, o
próprio vírus ou os medicamentos? Uma das pioneiras na técnica de preenchimento
com PMMA em São Paulo, a médica anestesista Suzana Barreto acredita que são os
antirretrovirais, especialmente os mais antigos. Ela observou em seus 16 anos
de prática que, com a evolução dos medicamentos, a incidência de lipodistrofia
diminuiu,assim como o seu nível de desenvolvimento. "Antes, os efeitos
eram muito mais progressivos. Hoje, ficou mais fácil estagná-los."
A infectologista
Zarifa Khoury, dos hospitais Emílio Ribas,Albert Einstein e do Programa
Municipal de DST/Aids, assim com Mylva e Mário Warde conta que o medicamento
Estavudina já foi considerado o grande vilão da lipoatrofia. "Foi um
medicamento muito usado para substituir o AZT", explica Zarifa. "E
foi constatado que ele teve muita responsabilidade na perda da gordura facial.
Hoje em dia, a Estavudina quase não é mais usada."
Warde lembra que
houve uma época em que o medicamento Crixivan foi considerado o vilão da
gordura abdominal. Mylva constatou, no CRT, casos em que a troca de medicamento
trouxe melhora para o paciente. E Zarifa já viu pacientes que nunca tomaram
antirretrovirais desenvolverem lipodistrofia.
"O HIV amplifica
a predisposição genética para a lipodistrofia. Ele é um risco a mais. Por isso,
pessoas que não tomam antirretrovirais também desenvolvem os sintomas",
continua Zarifa, lembrando que o avanço da idade constitui outro risco, porque,
naturalmente, o organismo vai tendo mais dificuldade de trabalhar. "Na
verdade, é bem semelhante ao envelhecimento muito rápido, exacerbado e
precoce", complementa Mylva.
Prevenção.
A boa notícia que
esses especialistas têm para dar é que é possível prevenir a síndrome
lipodistrófica e até mesmo reverter alguns aspectos quando ela já se instalou.
A primeira dica é um programa de atividades físicas regulares. Além de
fortalecer a musculatura,o que melhora o visual, o exercício tem a função de
ajudar no controle do peso. Segundo o educador físico Reinaldo Sobrinho, que
ajudou a criar o programa de exercícios para pessoas vivendo com HIV na rede
municipal de São Paulo, o ideal é associar musculação com treinos aeróbicos,
como caminhadas ou corridas. "Assim, além de queimar gorduras, a pessoa
fortalece o coração, prevenindo problemas cardíacos, que são maiores em soropositivos",
diz Sobrinho.
"Controlar o
peso é essencial ", ensina Mylva. "Se não há excesso de gordura no
corpo, ele não tem como acumular." Dentro desse raciocínio, a alimentação
surge como outro cuidado e aí é a dica é a de sempre: comer de acordo com a
idade, o tipo físico, evitando exageros e sempre dando preferência a alimentos
saudáveis.
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