quinta-feira, 24 de abril de 2014

LIPODISTROFIA ALTERA CORPO DE QUEM VIVE COM AIDS; ENTENDA O PROBLEMA...

FONTE: Fátima Cardeal, da Agência de Notícias da Aids (noticias.uol.com.br).

Para mim, foi pior do que quando recebi o diagnóstico de HIV positivo." É assim que Silmara Retti, escritora e fundadora do Instituto Blablablá Posithivo, de Ubatuba (litoral de São Paulo), descreve o sentimento que a acometeu quando notou que estava desenvolvendo a lipodistrofia. Iguais a ela, milhares de mulheres vivendo com HIV/Aids sofrem ao enxergarem no espelho a própria imagem alterada. "Homens também, mas nas mulheres a mudança é mais visível, pois seus corpos ficam masculinizados", explica Mário Warde, cirurgião plástico do Instituto de Infectologia Emilio Ribas.

Por causa do impacto dessas alterações físicas na autoestima das pessoas, com reflexo em todas as áreas da vida, principalmente na saúde, a Agência de Notícias da Aids começa a publicar hoje uma série de matérias sobre o assunto.

Passados 32 anos da descoberta do vírus e 18 do início da oferta universal e gratuita dos antirretrovirais no Brasil, o que permitiu ao tratamento da Aids imensos avanços, a lipodistrofia, hoje, é uma das maiores preocupações de quem vive com HIV. Ela gerou mais um estigma ao deixar visível o que passou a ser chamada de a nova cara da Aids: rostos marcados por sulcos, afinamento de braços, quadris e pernas, perda de gordura nos glúteos e aumento na região abdominal, no peito e nas costas, devido à alteração na distribuição da gordura corporal.

"Os infectologistas não dão muita importância a esse quadro, pois julgam que o mais grave eles já conseguiram, que é acertar nos remédios para garantir nossa sobrevivência", diz Silmara Retti, que já foi submetida a tratamentos reparadores. "Depois de tanta luta para nos colocarem de pé, nossos médicos temem que a gente passe por cirurgias que impliquem riscos para a nossa saúde", diz Liana Souza, outra que já fez correções.

Realmente, acertar o esquema de antirretrovirais de um paciente e garantir a ele qualidade de vida é uma vitória inestimável. Mas, por paradoxal que pareça, essa vitória, tantas e tantas vezes, é ameaçada por mulheres e homens que acabam desistindo de tomar os antirretrovirais justamente porque não querem desenvolver a lipodistrofia. E as consequências de tal atitude são de alto risco para a vida do paciente, com aumento da carga viral, desenvolvimento de resistência viral aos medicamentos, progressão da deficiência imunológica e outros.

"Felizmente, a mentalidade dos médicos está mudando. Os infectologistas estão olhando mais para a qualidade de vida do paciente e não só para os números laboratoriais. Assim, eles começam a dar mais indicações cirúrgicas", diz Mário Warde, que integrou o grupo técnico responsável pela portaria do Sistema Único de Saúde (SUS) permitindo o uso do polimetilmetacrilato (PMMA) na reconstrução facial e trabalhou protocolando preenchimentos de 2003 a 2005.

Como se desenvolve.
Responsável pelo ambulatório de lipodistrofia do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP (CRT), a infectologista Mylva Fonsi diz que o desenvolvimento das alterações físicas causa muito prejuízo à adesão ao tratamento porque, muitas vezes, as pessoas o veem como uma causa isolada. "E não é. É uma síndrome metabólica caracterizada por uma junção de fatores, como alteração de colesterol, triglicérides, intolerância à glicose, diabetes, hipertensão arterial, osteoporose precoce. Apré-disposição genética é um importante fator individual, sendo impossível prever quem e de que forma cada um desenvolverá essa síndrome", esclarece Mylva.

Nas pessoas com HIV, segundo a infectologista, somam-se a esses fatores o próprio vírus, a medicação antirretroviral e a junção dos dois. Mylva explica que essas alterações físicas, mais conhecidas como lipodistrofia, podem se manifestar de três formas: lipoatrofia, lipohipertrofia e mista.

A lipoatrofia se caracteriza pela perda da gordura nas pernas, nos braços, no glúteo e no rosto. A camada gordurosa subcutânea - logo abaixo da pele - conhecida como coxim, diminui, deixando à mostra vasos e veias. Acontece que essa camada de gordura não é um enfeite – como tudo no organismo humano, ela tem sua função. "Esse coxim funciona como isolante, impedindo, por exemplo, que um corte chegue ao músculo ou à veia" continua Mylva.

Na lipohipertrofia há um acúmulo da gordura na região central do corpo (giba, tórax e abdome). Essa gordura pode se acumular no subcutâneo ou ser visceral (junto aos órgãos abdominais). A gordura visceral é tipicamente utilizada pelo organismo para armazenamento de energia de reserva."É aquela que, caso você passe um dia sem comer, é utilizada para obtenção de energia", diz  a infectologista Mylva.

O vírus ou os antirretrovirais?
No caso específico das pessoas vivendo com HIV, qual seria o maior vilão da lipodistrofia, o próprio vírus ou os medicamentos? Uma das pioneiras na técnica de preenchimento com PMMA em São Paulo, a médica anestesista Suzana Barreto acredita que são os antirretrovirais, especialmente os mais antigos. Ela observou em seus 16 anos de prática que, com a evolução dos medicamentos, a incidência de lipodistrofia diminuiu,assim como o seu nível de desenvolvimento. "Antes, os efeitos eram muito mais progressivos. Hoje, ficou mais fácil estagná-los."

A infectologista Zarifa Khoury, dos hospitais Emílio Ribas,Albert Einstein e do Programa Municipal de DST/Aids, assim com Mylva e Mário Warde conta que o medicamento Estavudina já foi considerado o grande vilão da lipoatrofia. "Foi um medicamento muito usado para substituir o AZT", explica Zarifa. "E foi constatado que ele teve muita responsabilidade na perda da gordura facial. Hoje em dia, a Estavudina quase não é mais usada."

Warde lembra que houve uma época em que o medicamento Crixivan foi considerado o vilão da gordura abdominal. Mylva constatou, no CRT, casos em que a troca de medicamento trouxe melhora para o paciente. E Zarifa já viu pacientes que nunca tomaram antirretrovirais desenvolverem lipodistrofia.

"O HIV amplifica a predisposição genética para a lipodistrofia. Ele é um risco a mais. Por isso, pessoas que não tomam antirretrovirais também desenvolvem os sintomas", continua Zarifa, lembrando que o avanço da idade constitui outro risco, porque, naturalmente, o organismo vai tendo mais dificuldade de trabalhar. "Na verdade, é bem semelhante ao envelhecimento muito rápido, exacerbado e precoce", complementa Mylva.

Prevenção.
A boa notícia que esses especialistas têm para dar é que é possível prevenir a síndrome lipodistrófica e até mesmo reverter alguns aspectos quando ela já se instalou. A primeira dica é um programa de atividades físicas regulares. Além de fortalecer a musculatura,o que melhora o visual, o exercício tem a função de ajudar no controle do peso. Segundo o educador físico Reinaldo Sobrinho, que ajudou a criar o programa de exercícios para pessoas vivendo com HIV na rede municipal de São Paulo, o ideal é associar musculação com treinos aeróbicos, como caminhadas ou corridas. "Assim, além de queimar gorduras, a pessoa fortalece o coração, prevenindo problemas cardíacos, que são maiores em soropositivos", diz Sobrinho.


"Controlar o peso é essencial ", ensina Mylva. "Se não há excesso de gordura no corpo, ele não tem como acumular." Dentro desse raciocínio, a alimentação surge como outro cuidado e aí é a dica é a de sempre: comer de acordo com a idade, o tipo físico, evitando exageros e sempre dando preferência a alimentos saudáveis.

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