quinta-feira, 14 de agosto de 2014

INFORTÚNIO MATERNO...

Em pleno hospital da Espiritualidade, pobre criatura estendeu-nos o olhar suplicante e rogou:

- O senhor consegue escrever para a Terra?

- Quando mo permitem - repliquei entre pesaroso e assombrado.

Quem era aquela mulher que me interpelava desse modo?

A fisionomia escaveirada exibia recordações da morte. A face inundada de pranto tinha esgares de angústia e as mãos esqueléticas e entrefechadas davam a idéia de garras em forma de conchas.

Dante não conseguiria trazer do Inferno imagem mais desolada de sofrimento e terror.

- Escreva, escreva! - repetia chorando.

- Mas escrever a quem?

- Às mulheres... - clamou a infeliz. - Rogue-lhes não fujam da maternidade nobre e digna... peço não façam do casamento uma estação de egoísmo e ociosidade... 

Os soluços a lhe rebentarem do peito induziam-nos a doloroso constrangimento.

E a infeliz contou em lágrimas:

- Estive na Terra, durante quase meio século... Tomei corpo entre os homens, após entender-me com um amigo dileto que seguiu, antes de mim, no rumo da arena carnal, onde me recebeu nos braços de esposo devotado e fiel. Com assentimento dos instrutores, cuja bondade nos obtivera o retorno à escola física, comprometemo-nos a recolher oito filhinhos, oito corações de nosso próprio passado espiritual, que por nossa culpa direta e indireta jaziam nas fumas da crueldade e da indisciplina... Cabia-nos acolhê-los carinhosamente, renovando-lhes o espírito, ao hálito de nosso amor... Suportar-lhes-íamos as falhas renascentes, corrigindo-as pouco a pouco, ao preço de nossos exemplos de bondade e renúncia... Nós mesmos solicitáramos semelhante serviço... Para alcançar mais altos níveis de evolução, suplicamos a prova reparadora... Saberíamos morrer gradativamente no sacrifício pessoal, para que os associados de nossos erros diante da Lei Divina recuperassem a noção da dignidade.

A triste narradora fez longa pausa que não ousamos interromper e continuou:

- Entretanto, casando-me com Cláudio, o amigo a que me reportei, fui mãe de um filhinho, cujo nascimento não pude evitar... Paulo, o nosso primogênito, era uma pérola tenra em nossas mãos... Despertava em meu ser comoções que o verbo humano não consegue reproduzir... Ainda assim, acovardada perante a luta, por mais me advertisse o esposo abençoado, transmitindo avisos e apelos da Vida Superior, detestei a maternidade, asilando-me no prazer... Cláudio era compelido a gastar largas somas para satisfazer-me nos caprichos da moda... Mas a frivolidade social não era o meu crime. .. Nas reuniões mundanas mais aparentemente vazias pode a alma aprender muito quando resolve servir ao bem. .. Cristalizada, contudo, na preguiça, qual flor inútil a viver no luxo dourado, por doze vezes pratiquei o aborto confesso... Surda aos ditames da consciência que me ordenava o apostolado maternal, expulsei de mim os antigos laços que em outro tempo se acumpliciavam comigo na delinqüência, assassinando as horas de trabalho que o Senhor me havia facultado no campo feminino... E, após vinte anos de teimosia delituosa, ante o auxílio constante que me era conferido pelo Amparo Celestial, nossos Benfeitores permitiram, para minha edificação, fosse eu entregue aos resultados de minha própria escolha... Enlaçada magneticamente àqueles que a Divina Bondade me restituiria por filhos ao coração e aos quais recusei guarida em minha ternura, fui obrigada a tolerar-lhes o assalto invisível, de vez que, seis deles, extremamente revoltados contra a minha ingratidão, converteram-se em perseguidores de minha felicidade doméstica... Fatigado de minhas exigências, meu esposo refugiou-se no vício, terminando a existência num suicídio espetacular... Meu filho, ainda jovem, sob a pressão dos perseguidores ocultos que formei para a nossa casa, caiu nas sombras da alienação mental,desencarnando em tormento indescritível num desastre da via pública, e eu... pobre de mim, abordando a madureza, conheci a dolorosa tumoração das próprias entranhas... A veste carnal, como que horrorizada de minha presença, expulsou-me para os domínios da morte, onde me arrastei largo tempo, com todos os meus débitos terrivelmente agravados, sob a flagelação e o achincalhe daqueles a quem podia ter renovado com o bálsamo de meu leite e com a bênção de minha dor...

A desditosa enferma enxugou as lágrimas com que nos acordava para violenta emoção e terminou:

- Fale de minha experiência às nossas irmãs casadas e robustas que dispõem de saúde para o doce e santo sacrifício de mãe! Ajude-as a pensar... Que não transformem o matrimônio na estufa de flores inebriantes e improdutivas, cujo perfume envenenado lhes abreviará o passo na direção das trevas... Escreva!... Diga-lhes algo do martírio que espera, além da morte, quantos quiseram ludibriar. a vida e matar as horas.

A mísera doente, sustentada por braços amigos, foi conduzida a vasta câmara de repouso e, impressionados com tamanho infortúnio, tentamos cumprir-lhe ri desejo e transmitir-lhe a palavra; contudo, apesar do respeito que consagramos à mulher de nosso tempo, cremos que o nosso êxito seria mais seguro se caminhássemos para um cemitério e assoprássemos a mensagem para dentro de cada túmulo.

Olá, nossas Fraternais Saudações!
Que esta mensagem chegue com nossas melhores vibrações de Paz e Saúde!!
Obrigado pela companhia!!!
Centro Espírita Caminhos de Luz – Pedreira – SP – Brasil.


Pelo Espírito Irmão X - Do livro: Contos e Apólogos, Médium: Francisco Cândido Xavier.

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