quarta-feira, 13 de abril de 2016

SEXÔNIA FAZ A PESSOA TRANSAR DORMINDO; ENTENDA...

FONTE: Camila Botto, TRIBUNA DA BAHIA.

Publicada pelo Feminino e Além, site parceiro do Tribuna da Bahia.


Sonambulismo, mexer as pernas sem parar, falar dormindo (sonilóquio), ranger os dentes (bruxismo) e terror noturno são as mais conhecidas parassonias, nome dado aos distúrbios dos sono caracterizados por movimentos anormais que causam interrupções no padrão normal de descanso e geram cansaço, irritação e prejuízo às funções cognitivas e físicas no dia seguinte. Nenhuma delas, porém, é tão complexa quanto a sexônia, distúrbio que leva a pessoa a fazer sexo enquanto dorme.
Parece o melhor dos mundos, já que transar e dormir são duas atividades prazerosas, mas na prática não é bem assim. Se não tratada, a sexônia é uma condição médica que pode causar vários problemas.
De acordo com Lívia Leite Góes Gitaí, doutora em neurologia pela FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP (Universidade de São Paulo) e membro da ABN (Academia Brasileira de Neurologia), a sexônia está classificada primariamente como despertar confusional, uma vez que costuma se limitar a atividades na própria cama, mas também já foi relatada em episódios de sonambulismo, em que o indivíduo se levanta e caminha.
“O despertar confusional e o sonambulismo são parassonias do tipo desordem do despertar, nas quais a pessoa apresenta um despertar parcial durante o sono de ondas lentas e assim fica em um estado de dissociação entre a vigília e o sono profundo”, afirma.
Durante as crises, as manifestações variam. “Pode acontecer masturbação, carícias, conversas, sexo oral ou anal e mesmo as relações de fato, hétero ou homossexuais”, diz Geraldo Rizzo, neurologista e especialista em medicina do sono, do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre.
Impulsos violentos.
A participação ou não de uma outra pessoa no ato é a parte delicada da questão, pois mesmo os parceiros de anos podem se assustar com os ataques. É por isso que, segundo o neurofisiologista Leonardo Ierardi Goulart, do Laboratório do Sono do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, a sexônia é perigosa.
“Os comportamentos sexuais podem acontecer acompanhados de impulsos violentos. É um distúrbio com implicações psicológicas e sociais extremamente impactantes, com o risco, inclusive, de ser considerado crime”, afirma Goulart.
Já existiram casos de homens –a maior parte dos portadores do distúrbio pertence ao sexo masculino, na faixa entre 25 e 40 anos– que foram acusados de abuso sexual por atacarem mulheres e crianças durante episódios de sexônia.
“Há alguns casos documentados de julgamentos em que a defesa alegou a presença do distúrbio como forma de inocentar. A presença de especialistas em medicina do sono durante o processo é importante para avaliação das circunstâncias, pois há características fenomenológicas muito úteis na diferenciação entre sexônia e simulação. Na sexônia, por exemplo, o indivíduo fica em estado transicional entre o sono profundo e a vigília, não sendo capaz de realizar atividades complexas”, fala Lívia.
O transtorno não tem nada a ver com a libido. “Não se trata de desejo nem há nenhum tipo de disfunção hormonal envolvido”, diz Antônio Carlos Montanaro, neurologista do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.
É um comportamento automático desencadeado pela ativação de sistemas cerebrais relacionados a automatismos de funções como alimentar, vaguear e procriar.
“A duração dos episódios varia, mas eles costumam ser breves. Nem sempre a pessoa se lembra do que houve no dia seguinte”, fala Luciano Ribeiro, neurologista da ABS (Associação Brasileira do Sono). Alguns episódios, no entanto, podem durar cerca de 30 a 40 minutos.
Em seu artigo Sexsomnia: Abnormal Sexual Behavior During Sleep (“Comportamento Sexual Anormal durante o Sono”, na tradução do inglês), Monica Levy Andersen, professora livre-docente do Departamento de Psicobiologia e chefe da disciplina de Medicina e Biologia do Sono da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), aponta os principais fatores, reconhecidos por estudos, que desencadeiam a sexônia: privação de sono, sono fragmentado, consumo de drogas e/ou álcool, estresse e fadiga excessiva.
Ela observa que vem ocorrendo um aumento de distúrbios no ritmo de sono-vigília e na incidência da privação do sono na população geral. “Entre as principais razões destacam-se a exposição constante à luz e a atividades artificiais, como ver TV ou acessar a internet, associadas às pressões sociais e econômicas para encurtar o tempo gasto no sono”, diz Monica.
Durante uma crise de sexônia, a pessoa não deve ser acordada –a não ser que a manifestação envolva violência–, mas reconduzida ao sono e/ou de volta à cama, evitando-se sempre excesso de estímulo, tátil, luminoso ou sonoro.
Diagnóstico.
Além do EEG (eletroencefalograma), outro exame significativo para identificar o distúrbio é a polissonografia, que registra as ondas cerebrais, o nível de oxigênio no sangue e a frequência cardíaca e respiratória, assim como os movimentos dos olhos e nas pernas durante o sono.
“Se não ocorrerem manifestações típicas durante a noite de realização do exame, o que é muito comum, uma vez que os episódios não costumam ser diários, a polissonografia pode mostrar sinais indiretos indicativos de parassonia e, principalmente, pode contribuir para o diagnóstico de outros transtornos do sono que estejam contribuindo para o quadro”, diz Lívia.
Alguns especialistas recomendam que o exame seja feito ao lado do parceiro, para uma comprovação mais efetiva. A polissonografia é um procedimento que pode ajudar no acúmulo de evidências, mas o diagnóstico final só é dado depois de uma anamnese detalhada para avaliar os hábitos do paciente.
O tratamento depende de cada caso, mas costuma envolver medicamentos, psicoterapia e até meditação. “Geralmente, o tratamento não é definitivo, e a tendência à sexônia sempre vai existir”, diz Leonardo, do Einstein.
Também é fundamental o controle do ambiente para minimizar o risco de danos como a presença de grades nas janelas, o controle das chaves das portas e a retirada de instrumentos potencialmente perigosos da cabeceira ou do quarto.

O ideal é que não só o paciente aprenda a lidar com a questão, como também o par e a família se informem com especialistas para descobrir qual a melhor maneira de ajudar a evitar os episódios. “Reconhecer a sexônia como um transtorno do sono passível de diagnóstico médico pode ser um alívio em uma trajetória de silêncio, medo, culpa e vergonha”, fala Lívia.

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