sexta-feira, 18 de outubro de 2013

VIOLÊNCIA AFETA EXPECTATIVA DE VIDA DE NEGROS; ASSASSINATOS DE NEGROS SÃO COMUNS EM SALVADOR E RMS...

FONTE: Victor Longo (victor.longo@redebahia.com.br), CORREIO DA BAHIA.

Esse impacto é maior do que nos brancos, mostra pesquisa do Ipea.
Uma pesquisa inédita divulgada ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a violência no Brasil tem maior impacto sobre a expectativa de vida dos negros que dos brancos.  De acordo com o estudo, a perda de expectativa de vida devido à violência letal é 114% maior para negros do que para brancos. Por causa de mortes como os homicídios, os negros perdem 1,73 ano em sua expectativa de vida ao nascer, enquanto essa perda na população não negra é de 0,71 ano.
O diretor de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea, Daniel Cerqueira, explica que a cor da pele é determinante. “Partimos do universo de todas as pessoas que morreram por homicídio entre 1996 e 2010. Quando retiramos outros determinantes, como classe social e sexo, percebemos que, mesmo assim, o simples fato de ter a cor da pele negra ou parda faz aumentar em cerca de 8 pontos percentuais a probabilidade de um indivíduo ser assassinado”, disse.
Com os dados, ele concluiu que o racismo de instituições como a polícia influencia nas mortes. “Há um componente de racismo nas instituições, inclusive a polícia”, afirmou. “Organizações do estado que deveriam fazer políticas de ações para mitigar discriminações muitas vezes amplificam a discriminação”, concluiu. “Existe um estereótipo que associa crime à negritude e isso é reproduzido pelas próprias instituições que deveriam atuar contra isso”.
       

Dados estatísticos do censo de 2010 do IBGE mostram que a possibilidade de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos. A cada 100 mil negros nascidos vivos, 35,6 morrem assassinados. Na população de não negros, essa taxa é de 15,5, de acordo com a mesma fonte.
“Todos esses dados cruzados mostram que, de fato, o negro é duplamente discriminado no Brasil. Primeiro pela condição socioeconômica, depois pela cor da pele”, afirmou o pesquisador.
“Grande parte da população economicamente desfavorecida é de negros. Eles são os mais vulneráveis a sofrer homicídios também por conta disso. Mas o simples fato de ser negro aumenta as possibilidades”, reiterou.
Ele afirma que as soluções não são fáceis. “Não é algo simples. Deve envolver a polícia, o governo, as universidades e a sociedade como um todo”, completou.
Movimento Negro.
A socióloga Vilma Reis, presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN), comentou o estudo. “A pesquisa confirma que o Brasil ainda não é um estado democrático de direito, embora tente, desde 1985, se estabelecer como tal”, disse.
“Nós, dos movimentos negros, consideramos fundamental que o Brasil mexa com a estrutura da segurança publica para mudar esse quadro”, completou.
Ela aponta como essencial a aprovação do Projeto de Lei (PL) 4471/2012, em tramitação no Congresso Nacional desde o ano passado. O projeto busca acabar com os registros de “auto de resistência” e “resistência seguida de morte”. Essas expressões, utilizadas nos boletins de ocorrência, simbolizam que houve resistência à abordagem policial por parte de alguém que acaba morto em uma ação.
“Isso vem da ditadura militar, mais especificamente de dezembro de 1968, do Ato Institucional 5 (AI 5)”, afirmou. Segundo a militante, esses dispositivos acabam dando  aval para a polícia “cometer homicídios” contra a população negra.  Apesar de o estudo não conter dados sobre a Bahia, ela afirma que a discriminação racial das instituições também ocorre no estado.
Bahia não tem dados sobre homicídios segundo cor da pele.
Procurada para comentar o assunto, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP) informou que não comentaria, porque tem uma política de não comentar pesquisas. O órgão informou, por meio da assessoria de imprensa, que não possui dados estatísticos específicos associando a cor da pele aos homicídios no estado.
Em contrapartida, a SSP informou que a cor da pele das vítimas, além da orientação sexual, a motivação e arma empregada no crime, passaram a constar, obrigatoriamente, em dezembro passado, nos sistemas de registro de ocorrências. “Os servidores policiais já estão sendo orientados a solicitar respostas para esses quesitos, atitude bastante comemorada pelas minorias sociais”, divulgou a assessoria.
A mudança tem o objetivo de aprimorar o sistema de estatísticas policiais e de atender às recomendações da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). O secretário de Promoção da Igualdade Racial do Estado, Elias Sampaio, afirmou que reverter o quadro desenhado pela pesquisa continua sendo um desafio para o estado.
“O desafio continua sendo reverter esses dados com a estruturação de políticas públicas”, disse. Segundo ele, a estratégia global para redução dos índices de crimes violentos letais e intencionais (CVLI) no estado é através do programa Pacto Pela Vida. “A Sepromi tem atuado, junto com outras áreas sociais do governo, e com articulação com a Secretaria da Segurança Pública, para focar também na redução de homicídios dos jovens negros”, afirmou.
“Entendemos que as políticas são muitas, mas, infelizmente, a causa básica dessa mortalidade ainda é o racismo, que é fenômeno muito complexo e que historicamente estruturou as relações sociais no Brasil. Não podemos perder de vista que a sociedade também deve ser responsável pela solução do problema”, complementou o secretário.
Assassinatos de negros são comuns em Salvador e RMS.
Ana Paula Bringel
Encontrar vítimas que atendam aos indicativos da pesquisa realizada pelo Ipea não é uma tarefa difícil em Salvador e Região Metropolitana. Exemplos de negros vítimas de homicídio que chocaram a população ainda são rotina no noticiário e viram exemplos de luta contra a violência e impunidade.
É o caso, por exemplo, do bailarino e coreógrafo Augusto Omolú, encontrado morto em sua casa, em Lauro de Freitas, em junho. Integrante do Balé Folclórico da Bahia, Omolú mantinha projetos sociais.
Outro caso emblemático é o do menino Joel Castro, que, aos 10 anos, foi atingido por bala perdida,  dentro de casa, em novembro de 2010. Três anos depois, o primo do menino Joel, Carlos Alberto, 22, também foi baleado em uma ação policial. Ele não tinha passagem pela polícia. 

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