Esse impacto é maior do que nos brancos, mostra
pesquisa do Ipea.
Uma pesquisa
inédita divulgada ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
mostra que a violência no Brasil tem maior impacto sobre a expectativa de vida
dos negros que dos brancos. De acordo com o estudo, a perda de
expectativa de vida devido à violência letal é 114% maior para negros do que
para brancos. Por causa de mortes como os homicídios, os negros perdem 1,73 ano
em sua expectativa de vida ao nascer, enquanto essa perda na população não
negra é de 0,71 ano.
O diretor de
Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Ipea, Daniel
Cerqueira, explica que a cor da pele é determinante. “Partimos do universo de
todas as pessoas que morreram por homicídio entre 1996 e 2010. Quando retiramos
outros determinantes, como classe social e sexo, percebemos que, mesmo assim, o
simples fato de ter a cor da pele negra ou parda faz aumentar em cerca de 8
pontos percentuais a probabilidade de um indivíduo ser assassinado”, disse.
Com os dados,
ele concluiu que o racismo de instituições como a polícia influencia nas
mortes. “Há um componente de racismo nas instituições, inclusive a polícia”,
afirmou. “Organizações do estado que deveriam fazer políticas de ações
para mitigar discriminações muitas vezes amplificam a discriminação”, concluiu.
“Existe um estereótipo que associa crime à negritude e isso é reproduzido pelas
próprias instituições que deveriam atuar contra isso”.
Dados
estatísticos do censo de 2010 do IBGE mostram que a possibilidade de um
adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior em comparação com
os brancos. A cada 100 mil negros nascidos vivos, 35,6 morrem assassinados. Na
população de não negros, essa taxa é de 15,5, de acordo com a mesma fonte.
“Todos esses
dados cruzados mostram que, de fato, o negro é duplamente discriminado no
Brasil. Primeiro pela condição socioeconômica, depois pela cor da pele”,
afirmou o pesquisador.
“Grande parte
da população economicamente desfavorecida é de negros. Eles são os mais
vulneráveis a sofrer homicídios também por conta disso. Mas o simples fato de
ser negro aumenta as possibilidades”, reiterou.
Ele afirma que
as soluções não são fáceis. “Não é algo simples. Deve envolver a polícia, o
governo, as universidades e a sociedade como um todo”, completou.
Movimento Negro.
A socióloga Vilma Reis, presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN), comentou o estudo. “A pesquisa confirma que o Brasil ainda não é um estado democrático de direito, embora tente, desde 1985, se estabelecer como tal”, disse.
A socióloga Vilma Reis, presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN), comentou o estudo. “A pesquisa confirma que o Brasil ainda não é um estado democrático de direito, embora tente, desde 1985, se estabelecer como tal”, disse.
“Nós, dos
movimentos negros, consideramos fundamental que o Brasil mexa com a estrutura
da segurança publica para mudar esse quadro”, completou.
Ela aponta como
essencial a aprovação do Projeto de Lei (PL) 4471/2012, em tramitação no
Congresso Nacional desde o ano passado. O projeto busca acabar com os registros
de “auto de resistência” e “resistência seguida de morte”. Essas expressões,
utilizadas nos boletins de ocorrência, simbolizam que houve resistência à
abordagem policial por parte de alguém que acaba morto em uma ação.
“Isso vem da
ditadura militar, mais especificamente de dezembro de 1968, do Ato
Institucional 5 (AI 5)”, afirmou. Segundo a militante, esses dispositivos
acabam dando aval para a polícia “cometer homicídios” contra a população
negra. Apesar de o estudo não conter dados sobre a Bahia, ela afirma que
a discriminação racial das instituições também ocorre no estado.
Bahia não tem dados sobre homicídios segundo cor da pele.
Procurada para comentar o assunto, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP) informou que não comentaria, porque tem uma política de não comentar pesquisas. O órgão informou, por meio da assessoria de imprensa, que não possui dados estatísticos específicos associando a cor da pele aos homicídios no estado.
Procurada para comentar o assunto, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP) informou que não comentaria, porque tem uma política de não comentar pesquisas. O órgão informou, por meio da assessoria de imprensa, que não possui dados estatísticos específicos associando a cor da pele aos homicídios no estado.
Em
contrapartida, a SSP informou que a cor da pele das vítimas, além da orientação
sexual, a motivação e arma empregada no crime, passaram a constar,
obrigatoriamente, em dezembro passado, nos sistemas de registro de ocorrências.
“Os servidores policiais já estão sendo orientados a solicitar respostas para
esses quesitos, atitude bastante comemorada pelas minorias sociais”, divulgou a
assessoria.
A mudança tem o
objetivo de aprimorar o sistema de estatísticas policiais e de atender às
recomendações da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). O
secretário de Promoção da Igualdade Racial do Estado, Elias Sampaio, afirmou
que reverter o quadro desenhado pela pesquisa continua sendo um desafio para o
estado.
“O desafio
continua sendo reverter esses dados com a estruturação de políticas públicas”,
disse. Segundo ele, a estratégia global para redução dos índices de crimes
violentos letais e intencionais (CVLI) no estado é através do programa Pacto
Pela Vida. “A Sepromi tem atuado, junto com outras áreas sociais do governo, e
com articulação com a Secretaria da Segurança Pública, para focar também na
redução de homicídios dos jovens negros”, afirmou.
“Entendemos que
as políticas são muitas, mas, infelizmente, a causa básica dessa mortalidade
ainda é o racismo, que é fenômeno muito complexo e que historicamente
estruturou as relações sociais no Brasil. Não podemos perder de vista que a
sociedade também deve ser responsável pela solução do problema”, complementou o
secretário.
Assassinatos de negros são comuns em Salvador e RMS.
Ana Paula Bringel
Ana Paula Bringel
Encontrar
vítimas que atendam aos indicativos da pesquisa realizada pelo Ipea não é uma
tarefa difícil em Salvador e Região Metropolitana. Exemplos de negros vítimas
de homicídio que chocaram a população ainda são rotina no noticiário e viram
exemplos de luta contra a violência e impunidade.
É o caso, por
exemplo, do bailarino e coreógrafo Augusto Omolú, encontrado morto em sua casa,
em Lauro de Freitas, em junho. Integrante do Balé Folclórico da Bahia, Omolú
mantinha projetos sociais.
Outro caso
emblemático é o do menino Joel Castro, que, aos 10 anos, foi atingido por bala
perdida, dentro de casa, em novembro de 2010. Três anos depois, o primo
do menino Joel, Carlos Alberto, 22, também foi baleado em uma ação policial.
Ele não tinha passagem pela polícia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário