FONTE: iG São Paulo, TRIBUNA DA BAHIA.
A dentista Raíssa Duque, hoje com 30 anos,
sofria com a obesidade desde os 15. Cansada do ganho imediato de peso após cada
dieta, ela recebeu com certo alívio a sugestão de sua ginecologista de abandoar
esses tratamentos e partir para uma cirurgia de redução de estômago
(bariátrica). Ela não sabia que precisaria esperar mais de um ano, apelar para
a Justiça, para as redes sociais e para um programa de TV até que seu pedido
fosse parcialmente aceito. “Tive de pagar do bolso os honorários do médico.”
Com base na lei de acesso à informação, o Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) colheu dados de 2011 e dos cinco
primeiros meses de 2012 com a Agência Nacional de Saúde (ANS) e revelou que
Raíssa não é exceção. Essas cirurgias são as mais recusadas pelas operadoras de
planos de saúde,
embora sejam obrigatórias desde a edição da Resolução 1.942/2010 pelo Conselho
Federal de Medicina.
Em 2011, 850 cirurgias bariátricas foram rejeitadas por
convênios, enquanto 568 operações tiveram o mesmo destino entre janeiro e maio
do ano passado, um crescimento proporcional de 60%. Aparecem em seguida as
seguintes intervenções cirúrgicas: facectomia com lente intraocular
(substituição de uma estrutura atrás da íris, comum em quem tem catarata),
hérnia de disco e artroscopia cirúrgica, para recuperar danos no interior de
articulações.
De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de
Cirurgia Bariátria e Metabólica (SBCBM), Almino Ramos, 3,6% da população, ou
7,2 milhões de pessoas, sofrem com a obesidade no Brasil. “A falta de atividade física
responde por 40% das causas, outros 40% por excesso de calorias na alimentação
e 20% por herança genética.”
Advogado especializado em
direitos do consumidor, Marcelo Gallego garante que 80% de seus clientes o
procuram após a recusa do plano de saúde em conceder a operação bariátrica, que
custa entre R$ 20 e R$ 30 mil. “Chegam aqui meninas inférteis, com trombose,
diabéticas. A mudança hormonal pode deixar algumas mulheres com pelos; tudo
consequência da obesidade mórbida. As operadoras precisam perceber que ao
realizar uma cirurgia bariátrica elas economizam em outros tratamentos e
cirurgias.”
Esse é o caso do professor Herald Rodrigues (31), que ao
atingir 115 quilos solicitou a operação à Amil, que só liberou depois que o
conveniado recorreu à ANS. “Quando cheguei para operar, eu estava hipertenso,
pré-diabético, tinha gordura no fígado, artrite, bursite, má circulação
sanguínea e rompimento de vasos nas pernas.”
Operado em março deste ano, ele já perdeu 50 quilos.
“Atingi minha meta e normalizei minha saúde. Agora preciso ganhar massa magra e
fortalecer os músculos.”
Raíssa também espera vencer o processo e ser ressarcida
dos R$ 5 mil que precisou desembolsar para que um médico particular realizasse
a operação que o especialista da Unimed Paulistana teria se recusado a fazer.
“O convênio pagou a internação depois do processo, mas o médico não quis operar
porque trabalha por cooperativa e sua remuneração seria muito baixa. Tive de
contratar um médico particular.”
Hoje 20 quilos mais magra, ela terá a missão de perder
outros 40 até setembro do ano que vem, quando a cirurgia completa um ano. “A
partir de então, o corpo estabiliza. Para ajudar, estou fazendo dança, drenagem
linfática, massagem modeladora e musculação.”
Aumento de cirurgias.
Apesar do alto número de recusas, as cirurgias
bariátricas realizadas entre 2003 e 2012 saltaram de 16 mil para 72 mil, avanço
de 350%, segundo dados da SBCBM.
A resolução da ANS garante a operação ao paciente com
Índice de Massa Corporal (IMC) igual a 40, ou IMC a partir de 35 desde que
associado a alguma doença decorrente do sobrepeso, como hipertensão. O paciente
também não pode consumir drogas e álcool cinco anos antes da cirurgia e ter
idade entre 18 e 65 anos.
O advogado afirma que os planos são genéricos ao
justificar a negativa das operações. O mais comum é alegar descumprimento da
resolução da ANS. “Outra muito comum é apontar pré-existência da doença”, diz.
“As ocorrências são tantas que a Justiça Federal editou a Súmula 105, que
orienta os juízes a recusar esse argumento se o plano não fez perícia no
paciente antes dele assinar o contrato.”
A justificativa de que o professor Leando Eiolante (41),
na época com 114 quilos, já era obeso antes de receber a carteirinha do
convênio foi feita pela SulAmérica. “Eu não fiz nenhuma perícia. Só assinei o
contrato que o vendedor do plano me entregou”, recorda-se. “Quando eu cheguei para
operar, estava com diabetes, colesterol, apneia, dores na coluna, além do
cansaço e da baixa autoestima.”
Operado em abril deste ano depois de recorrer à Justiça,
Eiolante já perdeu 45 quilos. “Os exames não acusam nenhuma doença: nem
diabetes, colesterol ou dor na coluna. Não fico mais cansado, nem ronco. Eu
nasci de novo.” Mesmo assim, a SulAmérica recorreu do processo e, se vencer,
cobrará de Eiolante os R$ 20 mil gastos na cirurgia.
Outro lado.
A “SulAmérica informa que tem por norma não comentar decisões
judiciais, especialmente aquelas que não são definitivas e sobre as quais ainda
cabe recurso”. Já a Unimed Paulista afirma que Raíssa, “cometeu uma fraude” na
contratação do plano “ao declarar que pesava 70 kg e que não tinha doença
pré-existente.” “O Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao
analisar o recurso da Unimed Paulistana, decidiu pela suspensão da decisão que
determinava a cobertura da cirurgia.”
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