FONTE: RICARDO SENRA, DE SÃO PAULO (www1.folha.uol.com.br).
"Procura-se
espermatozoide em bom estado de pai loiro, alto, atlético e bem-humorado.
Paga-se bem.".
Este anúncio é fictício, mas
não tem uma gota de sensacionalismo: no mercado brasileiro de sêmen, que
aumentou 528% em 18 anos e ultrapassou a 1.300 amostras comercializadas em
2012, a demanda que mais cresce é a por doadores com pinta de viking.
Esse "baby boom" foi impulsionado por mulheres solteiras (adeptas a "produções independentes") e casais de lésbicas, que respondem por um em cada três procedimentos de gravidez artificial --em 2005, eram 5%.
Doação de sêmen.
Diferentemente dos casais
inférteis, que buscam doadores parecidos com os futuros pais, as meninas querem
filhos no "estilo David Beckham".
Segundo o Pro-Seed, maior e
mais antigo banco de sêmen do Brasil, o crescimento da renda e o acesso à
informação fazem a procura por espermatozoides congelados bater recordes a cada
ano. O laboratório privado, no térreo de um prédio de escritórios na Bela
Vista, já vendeu 11 mil amostras de esperma paulistano para mais de 200
clínicas espalhadas pelo país.
A partir das doações dos
voluntários (que não podem ser pagos, segundo a lei brasileira), o banco cria
uma espécie de "cardápio" com as características físicas dos doadores.
Entre elas estão cor da pele, cabelo, olhos, tipo físico, profissão e hobbies.
Por falta de demanda,
orientais e negros são mais raros, com 5% e 10% das amostras. "Mas a
procura por negros tem aumentado", afirma Vera Feher, diretora do
Pro-Seed.
Mesmo num país de 200 milhões
de habitantes, teme-se a chance de que filhos do mesmo doador se apaixonem.
Para evitar o risco, o Conselho Federal de Medicina e a Anvisa determinam que
cada voluntário só possa gerar uma criança de cada sexo em uma mesma região.
O fotógrafo Adriano Oliveira,
28, é um dos veteranos, com mais de dez contribuições. "Perdi um filho
recém-nascido por erro médico. Sempre tive vontade de ser pai. Por isso me
preocupo com quem não consegue."
No Brasil, tanto os doadores
quanto os casais são anônimos. Adriano torce para que sua contribuição "vá
para as mãos certas, para quem realmente ame e cuide com carinho".
Além de amor, quem decide
engravidar em laboratório tem que estar disposto a pagar de R$ 1.600 a R$
2.200, dependendo do processo escolhido --fertilização in vitro (embrião gerado
fora do corpo e depois inserido no ventre da mulher) ou inseminação artificial
(espermatozoides introduzidos diretamente no útero da paciente).
Já o doador não recebe nada,
ao contrário de países como Estados Unidos, onde ganha-se em média US$ 50. Mas
Vera aponta vantagens para o doador: "Além de ajudar outras famílias, quem
doa faz vários exames gratuitamente".
'VOCÊ TEM BOLAS?'.
O "vestibular" da
doação elimina 90% do material. O candidato deve ter de 18 a 45 anos e manter
abstinência sexual (masturbação inclusa) de três a sete dias antes da coleta.
Na análise do esperma, boa
parte do estoque é limada.
"Em 20 anos, percebemos
que a concentração média de espermatozoides por miligrama de sêmen caiu pela
metade", conta Vera.
"As causas são ligadas a
estresse, poluição, alimentos com agrotóxicos e sedentarismo", ela afirma.
Após o espermograma, o
material passa por exames sorológicos (Aids, Hepatite B e C, sífilis e outros).
Se tudo correr bem, o homem faz ao menos seis coletas (a cada sete ou 15 dias).
Na Inglaterra, onde um em
cada seis casais tem problemas para engravidar, uma campanha de doação espalhou
pôsteres em estádios: "Do you have balls?" ("você tem
bolas?" --a palavra "balls" também pode significar
"coragem" em inglês).
Por aqui, as campanhas são
menos enfáticas, e o número de "contribuintes" também é tímido.
"São oito ou dez por mês. O ideal seriam 50", diz Vera.
REPÓRTER RELATA
EXPERIÊNCIA NA 'SALINHA' DE COLETA.
Acordar cedo para conseguir
chegar no laboratório, cumprimentar a recepcionista, conversar com a médica,
fingir estar tranquilo e enfim entrar na salinha de coleta de sêmen já seria
tarefa difícil. Com gravador na mão, crachá do jornal e fotógrafo a tiracolo, a
missão se torna especialmente ingrata.
Ok, pensei, são ossos do
ofício.
Quando me dei conta, já
estava na saleta iluminada por luz branca, em frente a uma enorme TV de plasma
e uma pilha de revistas e DVDs eróticos maior ainda.
Dava para ouvir a risada do
fotógrafo: "Nesse momento, o Ricardo já tá mandando ver..."
Não, não estava. Quando o
barulho lá fora diminuiu, arrisquei folhear a coleção de "Playboys":
Luma de Oliveira posando, em 1987, aos 20 aninhos. Sheila Carvalho, no auge do
É o Tchan (e antes do silicone). Catarina, a menina que desistiu de leiloar a
virgindade.
Eu nunca tinha visto uma
lista tão grande de DVDs: "Ninfetas Viciadas em Sexo", "Todas
Querem Jack" e "Três Horas de Luxúria" eram alguns.
Escolhi "Amigas à Procura
de Cowboys" --vale ressaltar que todas as revistas e DVDs eram focadas no
público heterossexual. Fiquei sentado no sofá de couro branco da saleta por uns
20 minutos. Aos menos, pensei, não dava para ouvir nenhum barulho lá de fora.
Depois de cumprir minha
missão, abri a janelinha quadrada dos fundos da sala. Ali, sobre uma placa
aquecida a 37°C, deixei o potinho de coleta.
Amigos perguntaram o que eu
acharia se a experiência resultasse em filhos (seriam meus primeiros). Nunca
vou saber. A doação é anônima. Então, estou tranquilo.
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