FONTE: Carlos Vianna Junior, TRIBUNA DA BAHIA.
Há violências que acontecem constantemente,
mas são invisíveis aos olhos da sociedade. As pessoas com deficiência física
são vítimas dessa invisibilidade. Simplesmente não existem números sobre a
violência contra eles, nem em Salvador, nem na Bahia, nem no Brasil. Segundo a
assessoria da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, com sede em Brasília, os dados não existem porque as vítimas não
fazem boletins de ocorrência. Os motivos vão desde a falta de autonomia até a
falta de acessibilidade para chegar a uma delegacia, passando pela falta de
preparo de policiais para lidar com o assunto. Mas já se sabe que em muitos
casos a violência ocorre na própria casa da vítima.
De acordo com a presidente da Associação
Baiana de Deficientes Físicos (Abadef), Luiza Câmara, muitas vítimas têm
vergonha de denunciar as agressões. “São como as mulheres que sofrem violência
doméstica. Para denunciar, elas têm de superar a vergonha e o medo da reação do
denunciado, que muitas vezes vive na mesma casa”, explica. “Mesmo vencendo esse
obstáculo, ela terá que superar outros”, acrescenta.
Segundo o presidente da Comissão Municipal
de Direitos da Pessoa com Deficiência de Lauro de Freitas, Vanderlino Souza,
nem Salvador nem Lauro de Freitas têm delegacias em que se pode chegar de
cadeira de rodas. “Já ouvi reclamação de muitos deficientes. Eu mesmo, ao ir
com um amigo fazer um boletim de ocorrência (B.O), em Salvador, encontrei uma
escada no caminho”, disse, lembrando que em casos como esses o deficiente tem
que contar com a ajuda de alguém para ser carregado. “Isso tira o ânimo das
pessoas em prestar queixa na polícia”, acrescenta.
Luiz Câmara ressalta que mesmo chegando ao
balcão de atendimento de uma delegacia é possível que o deficiente não consiga
fazer o B.O. “Se for mudo, por exemplo, certamente a pessoa não encontrará
nenhum agente que entenda Libras, a língua brasileira de sinais”. Ele lembra
ainda que são muitos os tipos de deficiências e algumas delas, como as
“intelectuais”, em que a pessoa é portadora de problemas mentais, são as que
tornam as pessoas menos capazes de se defender e de procurar ajuda.
Violências.
Luiza Câmara explica, no entanto, que a
questão da violência contra a pessoa com deficiência é mais complexa que se
imagina. Primeiro, segundo ela, está o problema da caracterização da violência.
“Existem vários tipos e a física é apenas
uma delas. Eu já vi surdos serem agredidos verbalmente. Os agressores acreditam
que eles não escutam, e podem até não escutar, mas as pessoas em volta estão
vendo, isso fere a dignidade”, exemplificou.
Ela ressalta que há violência que são
visíveis e audíveis, mas há outras mais sutis. “Algumas são praticadas
com um olhar. Eu já passei por isso muitas vezes. Olham para a gente como se
fôssemos algo a ser rejeitado, só porque andamos de cadeira de rodas. Já vi
mães pegar na mão de filhos e sair apressada ao abrir o elevador e ver uma
pessoa deficiente. Isso é uma violência”, explica.
A presidente da Abadef informa ainda que nem
mesmo na associação essas denúncias chegam com frequência. “A gente sabe pelas
conversas que elas existem e são mais comuns que pensamos, mas são poucos os
casos que chegam à associação”. Um dos casos que chegou à Abadef
demonstra que se as denúncias fossem feitas, a situação dos portadores de
deficiência poderia ser outra.
Luiza Câmara conta que uma jovem com
sequelas de poliomielite trabalhava numa “empresa de refrigerantes”, em
Salvador, e sofreu assedio sexual durante muito tempo de um dos diretores.
Insatisfeito com a rejeição da jovem, o diretor ainda a humilhou na presença de
outros homens dizendo que eles deveriam tentar alguma coisa com ela, mas
avisava que ele não conseguira ainda. “Ela foi demitida. Foi aí que nos
procurou. Acionamos o Ministério Público e o caso se reverteu; o diretor acabou
demitido”, conta. “É uma pena que são casos raros”, acrescenta.
Responsabilidades do
Estado.
Para Vanderlino Souza existe também a
violência do próprio estado. “Ao deixar as ruas sem acessibilidade para aqueles
que têm deficiência o estado está praticando uma violência. Ao não educar as
pessoas para lidar com os deficientes, o estado está praticando uma violência,
ao não pôr em prática os nossos diretos, entre outras maneiras de excluir o
cidadão com deficiência”, disse. Ele ressalta ainda que é na acessibilidade e
no uso dos transportes públicos que o deficiente se sente menos acolhido.
Apesar de participar de uma comissão
municipal que trata do tema, Vanderlino acredita que o estado pode fazer muito
mais pelo portador de deficiência. “É necessário que as instituições sejam
provocadas a investir mais recursos não só em dar acessibilidade, mas também em
ensinar a população a incluir o deficiente na sociedade”, disse.
Luiza Câmara reconhece que avanços já foram
conquistados e que há um caminho ainda a percorrer, principalmente em relação
ao conhecimento sobre os deficientes em Salvador e no Brasil. Mas sobre isso
ela tem uma boa notícia. “Temos uma parceria com a Secretaria de Justiça
e Direitos Humanos, através da Superintendência de Direitos da Pessoa com
Deficiência, desde 2004. E nesse momento estamos trabalhando num projeto que
busca coletar dados sobre as pessoas com deficiência em Salvador e na Bahia”.
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