FONTE: Mariana Zirondi, do UOL, em Londrina (noticias.uol.com.br).
Quando uma pessoa vai doar sangue, passa por uma
entrevista e responde a perguntas íntimas, como o número de parceiros sexuais
com que se relacionou nos últimos meses. Essa medida é determinada pelo
Ministério da Saúde e tomada para diminuir ao máximo os riscos de doenças
transmitidas para quem receberá o sangue durante a transfusão. Mas os critérios
para considerar um candidato apto ou não a doar podem variar nos centros de
coleta do país, conforme consulta feita pelo UOL.
Um doador que pode ser considerado apto em Minas
Gerais, por exemplo, pode ser barrado no Paraná. Foi por essa situação que
Bruno Vangel e um casal de amigos, que prefere não se identificar, passaram ao
se candidatarem recentemente à doação de sangue no Hemocentro do Hospital
Universitário de Londrina.
O casal, atendido primeiro, passou pela triagem
realizada pela médica do hemocentro. De acordo com eles, entre outras
perguntas, ambos tiveram que responder se estavam em um relacionamento estável.
A resposta foi afirmativa e o casal foi considerado apto para o procedimento.
Com Vangel, no entanto, a situação foi um pouco
diferente. Doador de sangue há quase 10 anos, já sabia das condições para doar
e se sentia preparado para a coleta. Durante a triagem, a médica perguntou se
ele tinha parceira fixa e a resposta foi negativa. Em seguida, questionou se
havia tido mais de uma parceira no ano passado. A resposta, nesse caso, foi
positiva. Logo em seguida, a médica informou que ele estava inapto para
realizar a doação.
Indignado, Vangel questionou a recusa. "A
responsável pela triagem me informou que apenas pessoas com parceiros fixos no
último ano estariam aptos para a doação. Eu ainda questionei se o número de
doadores havia caído, mas ela informou que não, pois a maior parte das pessoas
que doam seriam casadas ou possuiriam parceiros fixos", relata.
O casal que acompanhava Vangel se sentiu
incomodado com o critério - afinal, eles estão juntos há apenas quatro meses e,
no ano passado, também poderiam ter tido mais de um parceiro. No entanto, isso não
foi levado em consideração. Um deles, inclusive, dividiu com a médica a
insegurança de ter alguma doença infecciosa, já que havia terminado um
casamento recentemente e não tinha certeza se havia sido traído. A médica,
ainda assim, o considerou apto.
Tânia Anegawa, diretora do Hemocentro em
Londrina, explica que cada instituição tem seu manual de normas e estabelece a
quantidade de parceiros considerada de risco para cada doador. "No caso do
nosso hemocentro, consideramos que mais de dois parceiros sexuais no período de
seis meses torna o indivíduo inapto temporariamente", esclarece.
Vangel foi considerado inapto em Londrina, mas
seria aceito no Centro de Hemoterapia e Hematologia do Rio Grande do Sul
(Hemorgs), de Porto Alegre, e na Fundação Hemocentro de Brasília, por exemplo,
caso tivesse tido menos de três parceiros sexuais no período de 12 meses.
Já no Centro de Hematologia e Hemoterapia do
Paraná (Hemepar), em Curitiba, o candidato que tiver mais de dois parceiros
diferentes nos últimos doze meses é considerado inapto temporariamente. Ainda
há a ressalva de que a pessoa deve estar com o mesmo parceiro há, no mínimo,
seis meses.
O Centro de Hematologia e Hemoterapia da Bahia
(Hemoba), em Salvador, e o Instituto Brasileiro de Hematologia Arthur de Siqueira
Cavalcanti (Hemorio), no Rio de Janeiro, não se baseiam em um número fixo para
a quantidade de parceiros. Ambos afirmam utilizar uma triagem rigorosa e, a
partir das perguntas e detalhes de cada situação, tornam um candidato apto ou
não para a doação.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a
Fundação Pró-Sangue – Hemocentro de São Paulo, em São Paulo, declarou que
prefere não divulgar a quantidade de parceiros ocasionais permitidos, pois pode
induzir os candidatos a mentirem durante a triagem. Para eles, é uma questão de
segurança que a seleção seja realizada de forma criteriosa e aprofundada.
Legislação e
variações.
A Portaria 2.712 do
Ministério da Saúde, publicada em novembro de 2013, que estabelece os serviços
de hemoterapia, torna inapto para doação de sangue, por 12 meses, o candidato
que tenha se exposto a determinadas situações, como pessoas que tenham feito
sexo em troca de dinheiro ou de drogas; que tenha feito sexo com um ou mais
parceiros ocasionais ou desconhecidos; e homens que tiveram relações sexuais
com outros homens e/ou com as parceiras sexuais destes.
No entanto, a
portaria não especifica o número parceiros sexuais por período que é
considerado comportamento de risco, explica Sandra Garcia Bueno, psicóloga e
responsável pelo núcleo de doadores no Hemorgs, em Porto Alegre (RS). Durante a
triagem, o médico responsável precisa investigar o passado desse doador e,
assim, julgá-lo apto ou não a doação.
A falta de
determinação da quantidade de parceiros gera algumas falhas no sistema de triagem,
opina Fausto Trigo, médico hematologista e hemoterapeuta. Para ele, a partir do
momento que cada instituição faz sua interpretação sobre o que é comportamento
de risco, não há uniformidade na triagem como um sistema. "A legislação
brasileira é muito boa, mas alguns pontos polêmicos não são estabelecidos e
precisariam ser padronizados. Uniformidade gera esclarecimento", opina
Trigo.
O hematologista
considera que o fato de não ter relacionamento estável coloca o candidato numa
situação de risco, mas lembra que isso é relativo: "Caso a pessoa seja
casada, mas tenha amantes, por exemplo, ela possui um comportamento de
risco".
Já Tânia Anegawa
também ressalta que essa liberdade é necessária para que cada unidade adapte a
quantidade de parceiros à realidade de cada região brasileira. Essa é uma
estratégia, segundo ela, para não reduzir a quantidade de doadores em todo o
país.
Janela imunológica.
Janela imunológica.
O fator que leva os
centros de coleta a questionarem ao status de relacionamento do doador nos
meses anteriores à coleta é a janela imunológica. Essa expressão se refere ao
período que o organismo leva, a partir de uma infecção, para produzir
anticorpos. É por meio deles, no exame de sangue, que se identifica a doença em
um paciente.
A diretora do
Hemocentro de Londrina acredita que seis meses são suficientes para que
eventuais vírus contraídos já tenham se manifestado e possam ser identificados
nos exames a que todo sangue coletado é submetido. Mas Trigo ressalta que as
janelas imunológicas são variadas para cada tipo de doença.
O uso de preservativo
também é algo considerado questionável nos centros de coleta pesquisados pela
reportagem. Todos eles consideram que relações com preservativo também são
consideradas de risco.
Apesar do uso da
camisinha ser estimulado em campanhas de sexo seguro, Anegawa explica que a
forma como o preservativo é usado pode ser considerada inadequada. "O uso
é questionável porque nem todo mundo coloca a camisinha durante o coito. E
nesse momento, já pode haver a contaminação".
Doações no
país.
De acordo com o
Ministério da Saúde, são coletadas no Brasil cerca de 3,6 milhões de bolsas por
ano, o que corresponde ao índice de 1,8% do parâmetro estabelecido pela
Organização Mundial da Saúde (OMS). Entretanto, o Ministério da Saúde trabalha
para chegar ao índice de 3%.
Em 2012, com mudança
da idade mínima para doação de 18 para 16 anos (com autorização do responsável)
e em 2013, da idade.
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