FONTE: Abigail Zuger, do The New York Times (noticias.uol.com.br).
Há uma lenda que diz
que tudo começou quando um pastor do norte da África viu suas cabras comerem
umas frutinhas selvagens e começarem a saltitar com uma energia fora do comum.
Outra história diz que umas folhinhas caíram de um arbusto dentro da caneca de água
quente do imperador chinês. Seja como for, tendo a cafeína entrado na vida dos
homens através do café ou da folha de chá, o que aconteceu em seguida foi pura
alegria.
Quer dizer, alegria para todo mundo, menos para as pobres almas encarregadas de nos salvar das drogas, já que não existe desafio maior que regulamentar a cafeína, essa molécula de prazer elegante usada com cada vez mais exagero, que é a melhor amiga do homem e, de tempos em tempos, sua assassina. Conforme Murray Carpenter deixa claro em seu estudo metódico, os pesos e medidas de nossa sociedade não dão conta das nuances dessa substância, seja entre atletas, adolescentes, sujeitos em experimentos científicos ou o dependente nosso de cada dia.
A cafeína pura é um pó branco e amargo. Quando entra no corpo, ela bloqueia os efeitos da adenosina, uma pausa fundamental para muitos processos fisiológicos. Com cafeína o bastante no sistema, os órgãos do nosso corpo passam a ser um pouco mais de si mesmos: o cérebro fica um pouco mais cerebral; os músculos, mais elásticos; as veias ficam um pouquinho mais apertadas e a digestão, mais eficiente. Com cafeína demais, tudo pode se acelerar ao ponto de levar a uma parada cardíaca.
É preciso ingerir cerca de 30 miligramas de cafeína (menos de uma xícara de café ou uma lata de Coca-Cola) para que os efeitos estimulantes possam ser notados. Cem miligramas por dia é o bastante para viciar a maioria das pessoas: elas se sentem terrivelmente infelizes sem sua dose diária, e os órgãos todos começam a reclamar em protesto por alguns dias. É preciso consumir mais de 10 gramas para que a cafeína seja fatal – uma dose impossível de atingir apenas com as bebidas tradicionais. Contudo, os novos energéticos ricos em cafeína levam os festeiros a chegar muito facilmente à zona de perigo, entre o suficiente e o excessivo.
Jornalista freelancer que costumava escrever para o "The New York Times", Carpenter, em seu livro "Caffeinated How Our Daily Habit Helps, Hurts and Hooks Us (Cafeínado, como nossos hábitos diários nos ajudam, prejudicam e viciam" em tradução livre) passeia pelo mundo todo em busca dos locais mais importantes para a história da cafeína: o local de nascimento do chocolate na região de Soconusco, na costa do México no Pacífico; uma loja de chás em Pequim; uma plantação de cafés na Colômbia (onde o grão local não tem nada de especial, já que os melhores são exportados). Então, ele passa por alguns dos novos lugares importantes para o setor, incluindo a sede da Green Mountain, em Vermont, uma das pioneiras no desenvolvimento das doses individuais, cujas porções frescas de 200 mililitros substituíram o líquido terrível que ficava nas cafeteiras do escritório.
Quer dizer, alegria para todo mundo, menos para as pobres almas encarregadas de nos salvar das drogas, já que não existe desafio maior que regulamentar a cafeína, essa molécula de prazer elegante usada com cada vez mais exagero, que é a melhor amiga do homem e, de tempos em tempos, sua assassina. Conforme Murray Carpenter deixa claro em seu estudo metódico, os pesos e medidas de nossa sociedade não dão conta das nuances dessa substância, seja entre atletas, adolescentes, sujeitos em experimentos científicos ou o dependente nosso de cada dia.
A cafeína pura é um pó branco e amargo. Quando entra no corpo, ela bloqueia os efeitos da adenosina, uma pausa fundamental para muitos processos fisiológicos. Com cafeína o bastante no sistema, os órgãos do nosso corpo passam a ser um pouco mais de si mesmos: o cérebro fica um pouco mais cerebral; os músculos, mais elásticos; as veias ficam um pouquinho mais apertadas e a digestão, mais eficiente. Com cafeína demais, tudo pode se acelerar ao ponto de levar a uma parada cardíaca.
É preciso ingerir cerca de 30 miligramas de cafeína (menos de uma xícara de café ou uma lata de Coca-Cola) para que os efeitos estimulantes possam ser notados. Cem miligramas por dia é o bastante para viciar a maioria das pessoas: elas se sentem terrivelmente infelizes sem sua dose diária, e os órgãos todos começam a reclamar em protesto por alguns dias. É preciso consumir mais de 10 gramas para que a cafeína seja fatal – uma dose impossível de atingir apenas com as bebidas tradicionais. Contudo, os novos energéticos ricos em cafeína levam os festeiros a chegar muito facilmente à zona de perigo, entre o suficiente e o excessivo.
Jornalista freelancer que costumava escrever para o "The New York Times", Carpenter, em seu livro "Caffeinated How Our Daily Habit Helps, Hurts and Hooks Us (Cafeínado, como nossos hábitos diários nos ajudam, prejudicam e viciam" em tradução livre) passeia pelo mundo todo em busca dos locais mais importantes para a história da cafeína: o local de nascimento do chocolate na região de Soconusco, na costa do México no Pacífico; uma loja de chás em Pequim; uma plantação de cafés na Colômbia (onde o grão local não tem nada de especial, já que os melhores são exportados). Então, ele passa por alguns dos novos lugares importantes para o setor, incluindo a sede da Green Mountain, em Vermont, uma das pioneiras no desenvolvimento das doses individuais, cujas porções frescas de 200 mililitros substituíram o líquido terrível que ficava nas cafeteiras do escritório.
Durante sua
iniciativa, Carpenter não teve sorte ao tentar chegar aos lugares mais
importantes para os dias de hoje: as indústrias chinesas e indianas que
fornecem a cafeína sintética em pó para as fabricantes de refrigerantes
energéticos. Nenhuma fábrica permitiu que ele entrasse. (E nenhum dos
funcionários que ele encontrou fumando em frente a maior de todas essas
indústrias, em Shijiazhuang, China, tinha muito a dizer – "Quando eu
perguntava se o interior era moderno e sofisticado, eles diziam 'É sim'.")
A cautela industrial é simbólica das mudanças pelas quais a indústria das bebidas passou no último século por conta da cafeína. Desde o princípio, no fim do século 19, a Coca-Cola foi vendida como um estimulante. Em 1909, o governo federal apreendeu um carregamento interestadual do xarope da bebida, sob a acusação de que a quantidade de cafeína da bebida violava a Lei de Alimentos e Medicamentos Puros. A Coca-Cola Co. demorou cinco anos para vencer a causa, sendo obrigada a diminuir a quantidade de cafeína da fórmula original. As políticas do setor começaram a enfatizar o sabor do refrigerante em detrimento de seus efeitos, caracterizando a cafeína – nas palavras de um relatório corporativo – como um "ingrediente de sabor concentrado". Em 2011, a Associação Americana de Bebidas afirmou descaradamente em um comunicado de imprensa que "a cafeína não é uma droga".
Entretanto, mesmo que façam de tudo para tirar a atenção das qualidades farmacêuticas de seus refrigerantes, as grandes fabricantes de bebidas estão engarrafando alegremente suas versões de energéticos contendo cafeína concentrada, incluindo algumas ligadas a convulsões e casos raros de morte.
Sendo assim, o que as agências reguladoras devem fazer? As organizações atléticas ainda não encontraram um denominador comum: de acordo com o livro de Carpenter, o Comitê Olímpico Internacional não inclui mais a cafeína em seus exames toxicológicos, mas a Associação Atlética Universitária Nacional, sim. Em vista da grande quantidade de alimentos, bebidas e suplementos ricos em cafeína, a FDA faz muito pouco a respeito, embora tenha proibido há pouco tempo um chiclete com cafeína.
Os órgãos equivalentes à FDA em outros países impuseram regras mais firmes: o Canadá restringe a quantidade de cafeína presente em energéticos e refrigerantes, ao passo que a Europa exige que os rótulos de bebidas ricas em cafeína revelem a quantidade precisa da substância "no mesmo campo de visão" da marca da bebida.
Carpenter inclui tudo isso e muito mais em uma narrativa cheia de dados que, infelizmente, nem sempre resume as coisas da melhor forma, como no último parágrafo de um capítulo que diz: "A cafeína pode mexer com a sua cabeça".
Os números estão todos lá: toneladas produzidas, xícaras consumidas, dólares gastos, além dos resultados de muitos estudos envolvendo atletas, soldados e estudantes cafeinados.
Contudo, se você é aquele tipo de pessoa cujo amigo mais próximo, compreensivo e bondoso deste mundo frio costuma viver em uma caneca com meio litro de líquido quente, e você espera algumas palavras poéticas em homenagem à mágica fragrante de seu companheiro de todas as horas, não é isso que você vai encontrar no livro de Carpenter.
A cautela industrial é simbólica das mudanças pelas quais a indústria das bebidas passou no último século por conta da cafeína. Desde o princípio, no fim do século 19, a Coca-Cola foi vendida como um estimulante. Em 1909, o governo federal apreendeu um carregamento interestadual do xarope da bebida, sob a acusação de que a quantidade de cafeína da bebida violava a Lei de Alimentos e Medicamentos Puros. A Coca-Cola Co. demorou cinco anos para vencer a causa, sendo obrigada a diminuir a quantidade de cafeína da fórmula original. As políticas do setor começaram a enfatizar o sabor do refrigerante em detrimento de seus efeitos, caracterizando a cafeína – nas palavras de um relatório corporativo – como um "ingrediente de sabor concentrado". Em 2011, a Associação Americana de Bebidas afirmou descaradamente em um comunicado de imprensa que "a cafeína não é uma droga".
Entretanto, mesmo que façam de tudo para tirar a atenção das qualidades farmacêuticas de seus refrigerantes, as grandes fabricantes de bebidas estão engarrafando alegremente suas versões de energéticos contendo cafeína concentrada, incluindo algumas ligadas a convulsões e casos raros de morte.
Sendo assim, o que as agências reguladoras devem fazer? As organizações atléticas ainda não encontraram um denominador comum: de acordo com o livro de Carpenter, o Comitê Olímpico Internacional não inclui mais a cafeína em seus exames toxicológicos, mas a Associação Atlética Universitária Nacional, sim. Em vista da grande quantidade de alimentos, bebidas e suplementos ricos em cafeína, a FDA faz muito pouco a respeito, embora tenha proibido há pouco tempo um chiclete com cafeína.
Os órgãos equivalentes à FDA em outros países impuseram regras mais firmes: o Canadá restringe a quantidade de cafeína presente em energéticos e refrigerantes, ao passo que a Europa exige que os rótulos de bebidas ricas em cafeína revelem a quantidade precisa da substância "no mesmo campo de visão" da marca da bebida.
Carpenter inclui tudo isso e muito mais em uma narrativa cheia de dados que, infelizmente, nem sempre resume as coisas da melhor forma, como no último parágrafo de um capítulo que diz: "A cafeína pode mexer com a sua cabeça".
Os números estão todos lá: toneladas produzidas, xícaras consumidas, dólares gastos, além dos resultados de muitos estudos envolvendo atletas, soldados e estudantes cafeinados.
Contudo, se você é aquele tipo de pessoa cujo amigo mais próximo, compreensivo e bondoso deste mundo frio costuma viver em uma caneca com meio litro de líquido quente, e você espera algumas palavras poéticas em homenagem à mágica fragrante de seu companheiro de todas as horas, não é isso que você vai encontrar no livro de Carpenter.
O máximo que ele faz
é incluir, na última linha de seus agradecimentos, depois de falar dos amigos,
familiares, fontes e editores, uma menção ao "pó branco e amargo que
inspirou este livro e deu o ânimo e o foco necessário para escrevê-lo".
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