FONTE: *** Camila Neumam, Do UOL, em Porto Alegre, (noticias.uol.com.br).
Anos de bullying na
infância e na adolescência tornaram a enfermeira paulista Camila Serra, 33 anos, uma
adulta ansiosa e com medo da reação alheia.
Ela se sentia incapaz
de ser querida e chorava toda vez que se lembrava das zombarias que sofria na
escola, em Santos (SP), por ter dislalia (conhecida como a "síndrome do
Cebolinha"). O medo foi lhe consumindo ao longo do tempo, sendo
transformado em fobia por aranhas, depressão e síndrome do pânico.
O antídoto para o seu
medo constante veio com um tipo específico de meditação, aprendido no núcleo
"Mente Aberta", da Universidade Federal de São Paulo, pelo Sistema
Único de Saúde. O curso de oito semanas é gratuito e voltado para pessoas de
todas as idades com alto grau de estresse, ansiedade, depressão e dores
crônicas.
Conhecida como
"mindfulness" (traduzido como "atenção plena" em
português), a técnica de meditação consiste em criar um estado psicológico no
qual se permanece atento aos próprios pensamentos, sensações físicas e emoções
no momento em que elas ocorrem. Aprende-se a parar de remoer o passado ou só
pensar no futuro – que aumenta a ansiedade –, se concentrando no presente.
"Com a técnica
eu aprendi que não sou obrigada a sentir aquilo de novo. A gente aprende a não
deixar a nossa mente nos levar a situações complicadas, a perceber os nossos
pensamentos e a nos questionar se queremos ficar sentindo aquilo", disse
Serra.
No curso da Unifesp,
a enfermeira aprendeu que pode meditar até quando está tomando banho ou
comendo. A técnica faz com que suas atividades diárias tenham foco e se tornem
mais eficientes. "Quando a mente foge durante o banho, retomo o pensamento
para o que estou fazendo e termino mais rápido. Quando como, eu olho para o
alimento, sinto o gosto, a textura e o movimento da língua e percebo se estou
comendo por comer ou porque gosto. Eu até parei de comer bacon porque senti
muita gordura na boca. Você percebe que pode comer menos, o que facilita a
digestão", afirmou.
A meditação
"mindfulness" vem do zen-budismo, mas ganhou espaço na medicina na
década de 1970, nos Estados Unidos, pelo professor de medicina Jon Kabat-Zinn,
da Escola Médica da Universidade de Massachusetts. Ao conhecer os benefícios da
meditação budista, ele testou a técnica em seus pacientes que sofriam de
estresse e dores crônicas. As respostas foram tão positivas que ele fundou uma
clínica dentro da universidade. O conceito também se tornou popular na rede de
saúde do Reino Unido.
SUS torna meditação laica.
No Brasil, o conceito
foi trazido pelo físico e budista irlandês Stephen Little na década passada,
mas ainda é usado timidamente. Na Unifesp vem sendo aplicado desde 2011 em
grupos de 30 pacientes ao mês. A maioria sofre de ansiedade, estresse, dor
crônica e depressão.
"Já é possível
verificar melhoras a partir da segunda sessão, mas elas ocorrem mais
intensamente a partir da quarta ou quinta sessão", afirma Marcelo Dermazo,
coordenador do núcleo Mente Aberta.
O curso é composto de
oito sessões, uma sessão por semana com duração de duas horas. Nelas são
ensinadas técnicas de atenção na respiração, consciência corporal, caminhadas e
movimentos do dia a dia, como lavar louça e preparar alimentos, focados no que
está se fazendo.
Para a psicóloga
Daniela Sopeski, que estudou a técnica da Inglaterra e hoje faz parte do grupo
da Unifesp, o "mindfulness" é "um convite para acordar do modo
automático de se comportar".
"O 'mindfulness'
é basicamente um treinamento mental cultivado por meio de uma atenção
intencional a cada instante, rompendo preconceitos e julgamentos. É um
incremento de bem-estar, de redução de estresse, dos sintomas depressivos. Mas
é uma prática complementar que não substitui tratamentos nem deve ser feita por
quem estiver em crise", afirma.
Sopeski trouxe o
conceito para a rede pública de Porto Alegre (RS) onde viu a técnica ser bem recebida pelos pacientes,
embora tivesse que passar por algumas adaptações. "Apesar de vir do
budismo, o 'mindfulness' chega à saúde com uma roupagem laica para se tornar
mais inclusivo. No SUS há uma diversidade de religiões, por isso algumas
pessoas usam outros termos que não seja meditação, mas técnicas de aliviar a tensão,
de acalmar a mente ou atenção plena", explica.
*** A jornalista foi convidada do Congresso do
Cérebro, Comportamento e Emoções.
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