terça-feira, 23 de julho de 2013

VIDA COM MENOS SAL...



"A demonização do sódio é uma daquelas meias verdades que todo mundo acredita, mas que não tem fundamento científico".

A observação do leitor referindo-se a um estudo divulgado pela Folha no domingo, mostrando que é o sal de cozinha e não os alimentos industrializados a maior fonte de sódio no país, faz todo sentido.

É histórica a relação entre o alto consumo de sal e o risco de pressão alta. Nos últimos anos, porém, vários estudos têm questionado essa associação.

Um dos últimos, publicado no "Journal of the American Medical Association", mostrou que quem come mais sal não tem mais risco de ter hipertensão ou doença cardiovascular.

Segundo os autores do estudo, da Universidade de Leuven, na Bélgica, os achados refutam as estimativas que dizem que vidas são salvas e custos de saúde são reduzidos com um menor consumo de sal.

A pesquisa mediu a quantidade de sódio na urina de 3.681 pessoas e acompanhou a incidência de doença cardiovascular nos voluntários por sete anos.

O trabalho gerou reações entre especialistas e o periódico "Lancet" chegou a publicar um editorial questionando o trabalho. Algumas das críticas foram que o estudo fez poucas dosagens de sal, e os grupos de pacientes analisados eram homogêneos demais.

Por outro lado, há pesquisas e especialistas que defendem que a restrição total de sal também não é benéfica e que pode ativar processos inflamatórios e aumentar o risco cardiovascular.

O sódio é fundamental para o equilíbrio de líquidos.

O endocrinologista Alfredo Halpern engrossa esse coro. "Tem a maior discordância entre os cientistas sobre a importância de restringir tanto o sódio. A sensação é que essa recomendação de ingestão mínima de sódio seja pouco. Ninguém sabe ao certo o limite inferior e nem o superior", diz ele.

O limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde é menos da metade: 5 g de sal (equivalente a 2 g de sódio). O brasileiro consome, em média, 4,46 gramas de sódio por dia, o equivalente a 11,38 gramas de sal.

Para Halpern, só os indivíduos hipertensos ou com propensão familiar a desenvolver o problema é que deveriam reduzir o sal.

"Estudos populacionais não mostram esse perigo todo que se alardeia. Uma das populações que mais comem sal é a japonesa e é a que menos morre de problemas cardiovasculares. Hoje, a obesidade talvez seja um fator mais grave do que o sal."

A hipertensão tem muitas causas: alterações no batimento cardíaco, na parede das artérias ou no funcionamento dos rins, por exemplo. O estilo de vida também está relacionado à doença.

Má alimentação, sedentarismo, obesidade, fumo e estresse são alguns gatilhos. A ingestão de sódio é mais um deles.

O Ministério da Saúde alega que as últimas revisões da literatura médica continuam reforçando a associação do sal como fator de risco cardiovascular.

Há dois anos, governo e a indústria firmaram um acordo para retirar 20.491 toneladas de sódio dos alimentos processados até 2011. Agora, deve mirar campanhas em relação ao sal de cozinha.

Nós, mortais, já sentimos na boca algumas dessas mudanças. Leva tempo para nos acostumarmos com uma vida menos salgada.

***   Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros "Quero ser mãe" e "Por que a gravidez não vem?" e coautora de "Experimentos e Experimentações". Escreve às quartas, no site.

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