Turistas ocidentais
que visitam a China podem se surpreender ao tentar comprar um simples
desodorante nos supermercados ou farmácias locais: é raro encontrar o produto
nas prateleiras. Mesmo em Pequim, uma cidade com mais de 20 milhões de
habitantes, a oferta é praticamente inexistente mesmo em estabelecimentos
maiores ou mais sofisticados. Quando os há, as marcas são poucas, geralmente
voltadas para o público masculino e, em sua maioria, importadas.
Uma pesquisa de
mercado feito pela empresa Euromonitor comprovou que a venda de desodorantes é
baixa entre os chineses e que há poucos consumidores regulares. Um outro
levantamento, feito pela consultoria Labbrand, também chegou a conclusão
semelhante e foi além: fora das metrópoles, há o risco de simplesmente não se
encontrar o produto. Segundo a pesquisa, ele "nunca foi uma necessidade no
país".
Honghong Lu, editora
de moda de 27 anos, que mora em Pequim, concorda. "Eu nunca usei
desodorante e nunca pensei em usar. Por que me preocupar em colocar alguma
substância química em meu corpo se ela é desnecessária?"
Mas desnecessária como? Os
chineses não transpiram?
Transpiram, mas
dependendo da etnia a que pertencem, muito provavelmente não exalam o odor que
os brasileiros apelidaram de "cê-cê" --a partir, segundo o Houaiss,
da propaganda de um sabonete desodorante da década de 1940, que prometia acabar
com o "cheiro do corpo", grafado, então, só com a letra "c"
duplicada.
A característica --de
não exalar esse cheiro-- não é exclusividade dos chineses.
Segundo um estudo
publicado na revista Nature Genetics, realizado por cientistas de
universidades japonesas, esse fenômeno chega a 100% entre coreanos e chineses
da etnia Han, do norte do país, afetando também a maioria de mongóis e descendo
gradualmente em direção ao sul e ao oeste do continente.
Segundo a Euromonitor,
"a maioria dos sul-coreanos ainda não está acostumada a usar desodorante,
(...) e no Japão muitos só o usam em dias quentes, por considerá-lo
desnecessário quando as temperaturas estão baixas".
'Nunca precisei'.
A brasileira Sônia
Tanaka, de 22 anos, os últimos quatro vividos na China, diz comprovar essa
tese. "Quando morava no Brasil, comprava porque todo mundo comprava. Mas
nunca precisei", diz a filha de japoneses que estuda Relações
Internacionais em Pequim.
Um estudo da
Universidade de Bristol, no Reino Unido, descobriu que uma parcela da população
mundial de fato nasce com uma variação genética e não tem a secreção específica
nas axilas que atrai a bactéria que produz o cheiro forte.
Além dos asiáticos
dessa área do planeta, 2% dos ingleses, por exemplo, têm essa modificação na
proteína ABCC11. De acordo com outra pesquisa, dá para afirmar que essa
diferença genética é encontrada em 10% dos ibéricos e em 4% dos africanos
subsaarianos.
Não há dados sobre a
população brasileira, mas o estudo afirma que, entre colombianos e
venezuelanos, não aparece a exótica combinação de genes.
"Quando as
pessoas são AA homozigotas, elas produzem muito menos suor apócrino
(precursores do odor do corpo) e são, assim, muito menos propensas a
desenvolver odor no corpo. Não importa se o microbioma está presente, porque os
precursores do mau odor não estão presentes", explicou à BBC Brasil Chris
Callewaert, pesquisador da Universidade de Ghent, na Bélgica, que desenvolve
estudos sobre a possibilidade de se fazer transplantes de bactérias das axilas.
Para o pesquisador
Gavin H. Thomas, especializado em microbiologia molecular da Universidade de
York, no Reino Unido, não é possível assegurar como essa mutação genética
começou, nem mesmo como ela se perpetuou. Mas ele ressalta que o odor foi
provavelmente muito importante no acasalamento no início da história dos
hominídeos.
"Só recentemente
o mundo desenvolvido decidiu que o odor era 'mau cheiro' e deu-lhe essa
conotação negativa", defende. "Claramente, eles cheiravam de maneira
diferente. Será que isso ajudava a selecionar seu próprio 'tipo' de parceiro
(isto é, pessoas com o mesmo cheiro)? Difícil dizer..."
A BBC Brasil entrou
em contato com as empresas que atuam no setor de desodorantes na China -
Unilever, L'Oreal, Coty, Nivea, Schwarzkopf, Bourjois - além dos supermercados
Metro e da farmácia Watson, mas nenhuma respondeu ao contato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário