Dados de um estudo
apoiado pela Fapesp e publicado na revista Nature Communications sugerem que
uma dieta rica em fibras solúveis pode proteger crianças contra os efeitos do
vírus sincicial respiratório (RSV) - causador da bronquiolite -, reduzindo
significativamente a perda de peso, a carga viral e o infiltrado de células de
defesa nos pulmões durante a infecção.
Por meio de
experimentos com camundongos, pesquisadores da Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas) e da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul) mostraram que, no intestino, as fibras são transformadas pela microbiota
em ácidos graxos de cadeia curta, que atuam no pulmão ativando os receptores
celulares do tipo GPR43, responsáveis pelo efeito protetor.
A pesquisa começou em
2013, por meio da colaboração do grupo coordenado pelo professor Marco Aurélio
Ramirez Vinolo, do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e
Imunologia, do IB-Unicamp (Instituto de Biologia), - com o grupo da PUC-RS
liderado pela professora Ana Paula Duarte de Souza, especializado em vírus.
Integram a equipe Maria Teresa Pedrosa Silva Clerici, da FEA-Unicam (Faculdade
de Engenharia de Alimentos); José Luiz Proença Módena, do IB-Unicamp; e Hosana
Gomes Rodrigues, da FCA-Unicamp (Faculdade de Ciências Aplicadas), sediada em
Limeira.
Como explicou Vinolo, o
trabalho foi proposto porque à época existiam dados epidemiológicos sugerindo
que alimentos com alto conteúdo de fibras poderiam proteger crianças de
infecções respiratórias. Além disso, estudos feitos em modelos animais
mostraram que o consumo de fibras tinha efeito protetor em relação à asma.
"Chegamos à
conclusão que valeria a pena verificar se a infecção pelo RSV poderia de alguma
forma ser prevenida ou atenuada. É um problema muito comum em crianças
recém-nascidas e até os três anos de idade. Parte dos pacientes evoluei para um
quadro grave de inflamação respiratória, chamada de bronquiolite, que pode
causar a morte", disse Vinolo ao Jornal da Unicamp.
A bronquiolite é
caracterizada por inflamação e edema das vias aéreas, aumento na produção de
muco e necrose das células epiteliais dos brônquios. Em 2017, registrou-se em
São Paulo um aumento nos casos graves de crianças infectadas pelo RSV, o que
despertou a atenção da comunidade médica e científica para a necessidade do
desenvolvimento de terapias. Até o momento, existem apenas tratamentos
paliativos, para alívio de sintomas como febre, dor no corpo e dificuldades
respiratórias.
O
estudo.
Nos experimentos feitos
em camundongos, metade dos animais recebeu uma dieta com alto teor de fibras e
os demais (grupo controle) consumiram alimentos pobres em fibras. Após três
semanas, todos foram infectados pelo RSV.
Análises feitas depois
de cinco dias mostraram que os roedores do primeiro grupo tinham menos vírus no
pulmão e não desenvolveram inflamação pulmonar. Já os do grupo controle
manifestaram uma grande inflamação nos pulmões.
Confirmada a hipótese
inicial, os pesquisadores decidiram investigar o mecanismo pelo qual as fibras
protegem o sistema respiratório. Já se sabia que elas induzem a formação, pela
microbiota intestinal, de ácidos graxos de cadeia curta. Mas as concentrações
desses compostos podem variar e dependem de vários fatores, como tipo de
alimentação e condições metabólicas dos diferentes organismos. Essa variação de
concentração pode tornar o indivíduo mais ou menos suscetível a vários tipos de
doenças, embora não se soubesse ainda como se dava a ação sobre a infecção
provocada pelo RSV.
Foram então realizados
experimentos para comprovar que a proteção decorria da ação dos ácidos graxos
de cadeia curta. Para tanto, eliminou-se a microbiota dos animais com
antibióticos - o que fez cessar o efeito protetor. A proteção, no entanto, foi
observada novamente quando esses animais tratados com antibiótico receberam por
via oral os ácidos graxos de cadeia curta. Comprovava-se, assim, a hipótese de
que os ácidos graxos produzidos pela microbiota do intestino são absorvidos
pelo órgão e agem nas células pulmonares, reduzindo a quantidade de vírus.
O efeito protetor foi
observado quando os ácidos graxos foram administrados aos roedores por meio da
água de beber contendo acetato de sódio e também pela inalação dessa mesma
solução. Segundo Vinolo, tratamento semelhante poderia funcionar para humanos.
Em um estudo em
andamento, o grupo avalia se há correlação entre as quantidades produzidas de
ácidos graxos de cadeia curta no organismo e a intensidade da infecção por RSV.
Essa pesquisa está sendo realizada com crianças afetadas pela infecção e
atendidas em hospital de Porto Alegre. Nelas são medidas as concentrações de
ácidos graxos endógenos. Resultados ainda preliminares indicam que, quanto
maior a quantidade desses compostos nas fezes, menor a chance de as crianças
desenvolverem infecção grave e menor é o tempo de internação.
No trabalho com animais,
verificou-se efeito benéfico da administração de ácidos graxos de cadeia curta
antes da infecção (estratégia de prevenção) e também em animais
recém-infectados, com redução de vírus no pulmão e diminuição do grau de
inflamação no órgão. Esses achados indicam que a abordagem pode ser empregada
como forma de tratamento.
Patente.
Segundo Vinolo, os
resultados levaram o grupo a requerer patente do uso dos ácidos graxos de
cadeia curta e de moléculas que atuam pelo mesmo mecanismo de ação no
tratamento de doenças virais. A ideia, disse o pesquisador, é conseguir
parcerias para realizar os testes em humanos.
"Identificamos uma
proteína celular que estabelece a conexão entre os ácidos graxos de cadeia
curta e sua ação protetora, o receptor GPR43, presente nas células pulmonares.
O que patenteamos foi o uso de ácidos graxos de cadeia curta ou moléculas
similares que ativam esse receptor que, por sua vez, age no combate a doenças
infecciosas virais", afirmou.
O trabalho teve a
participação do bolsista de doutorado José Luís Fachi, da bolsista de mestrado
Laís Passariello Pral, ambos do IB-Unicamp, e da doutoranda Krist Helen
Antunes, da PUC-RS.
*** Com
informações do Jornal da Unicamp.
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