Considerado tóxico para o organismo e relacionado a diversas doenças, o
álcool é alvo de estudos dos pesquisadores Carlos Renato Tirapelli e Carla
Ceron, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP. Em uma das
pesquisas, o professor Tirapelli e sua colega observaram a letalidade da
associação do consumo crônico de álcool em organismos com quadros infecciosos.
Os resultados, publicados em artigo no European Journal of Pharmacology, comprovam o agravamento das lesões
vasculares (de tecidos arteriais) provocadas pelo álcool em um organismo que
enfrenta uma infecção grave, como a sepse — inflamação sistêmica geralmente
desencadeada por uma infecção bacteriana localizada que saiu de controle. De
acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 18% da população adulta do Brasil
consome bebida alcoólica abusivamente.
Farmacologista cardiovascular, Tirapelli afirma que era conhecida a ação
do consumo de álcool, lesando o sistema vascular. Ele explica que, assim como a
sepse, o álcool ativa a expressão da enzima iNOS (óxido nítrico sintase
induzível) que produz óxido nítrico, um gás solúvel que provoca relaxamento das
paredes dos vasos sanguíneos. Essa reação faz parte do sistema de defesa do organismo
mas, no caso da sepse e do álcool, é exagerada e acaba atacando também as
células do próprio corpo.
Os pesquisadores queriam saber se a soma dos dois fatores, consumo de
álcool mais sepse, pioraria a situação dos vasos sanguíneos. Eles realizaram experimentos
de laboratório em que simularam nos animais o consumo frequente de etanol e os
estados de infecção generalizada, além de usarem também um grupo de animais
modificado geneticamente para não expressar a iNOS.
Durante 10 semanas, grupos de animais receberam doses de álcool; ao final
desse período, foram submetidos a procedimento para simular a sepse.
Como resultado, confirmaram sua hipótese. "Os animais tratados com
etanol são mais suscetíveis à sepse e isso envolve a enzima iNOS", diz
Tirapelli.
A pesquisa conseguiu mostrar que, nos organismos com deficiência da
enzima, a sepse foi menos letal, mesmo tendo sido tratados com etanol. Porém,
nos animais normais, as lesões vasculares eram mais graves, intensificando a
ação da iNOS com o consumo de álcool.
Resposta imunológica
mais intensa.
Apesar de serem resultados ainda experimentais, Tirapelli adianta que a
ideia era ver se um paciente que consome etanol estaria mais suscetível a um
quadro mais grave caso entrasse em sepse. O modelo animal conseguiu mostrar que
sim, que o consumo crônico de álcool agrava a situação de infecção
generalizada, causando a morte. Os pesquisadores observaram também que a enzima
iNOS participa ativamente desse processo, já que o óxido nítrico (produzido
pela iNOS) provoca relaxamento dos vasos sanguíneos e queda da pressão
arterial; por isso, "o camundongo que não produzia essa enzima sobreviveu
por mais tempo que o camundongo normal".
Ao explicar a função da iNOS, o professor diz que "a sepse induz a
expressão da enzima iNOS; a iNOS produz o óxido nítrico; o óxido nítrico relaxa
o vaso e, então, o paciente acaba entrando em choque. Exatamente porque ele tem
uma hipotensão severa". Tanto é que uma das primeiras abordagens
terapêuticas no protocolo de sepse, no hospital, "é injetar um agente que
vai tentar promover a vasoconstrição, para tentar recuperar a pressão arterial
desse paciente", explica.
Tirapelli acredita que a enzima iNOS possa se tornar um alvo terapêutico,
com o desenvolvimento de medicações, por exemplo. Seu estudo contribui com
informações para esse caminho futuro, além de mostrar que, em uma condição da
sepse, o consumo frequente de etanol pode ter resposta agravada. E conclui,
"acrescentamos uma informação a mais, a respeito da iNOS, e,
consequentemente do produto dela, que é o óxido nítrico".
Consumo de álcool e a
covid-19.
Ao ser questionado sobre uma possível interação do consumo crônico de
álcool com a infecção pelo novo coronavírus, o professor Tirapelli adiantou os resultados de um outro estudo que
está realizando com o professor Frederico Soriani, da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Também experimental, a pesquisa mostrou que o consumo de
álcool reduziu a defesa imunológica dos animais, deixando-os suscetíveis à
infecção pulmonar por Aspergillus fumigatus (fungo) e Streptococcus
pneumoniae (bactéria), principais causadores de pneumonia em humanos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário