Os cartórios
brasileiros registraram um aumento de 31% no número de mortes por doenças
cardiovasculares no país em meio à pandemia de covid-19. É o que mostram os
dados do novo painel do Portal da Transparência do Registro Civil, divulgado
ontem, desenvolvido pela Arpen (Associação Nacional dos Registradores de
Pessoas Naturais) em parceria com a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia).
Para especialistas, a alta na morte por causas cardíacas pode estar relacionada
à subnotificação de óbitos por covid-19 e também à sobrecarga do sistema de
saúde.
O aumento diz respeito
ao período de 16 de março a 31 de maio deste ano, em comparação com o mesmo
período do ano passado - neste intervalo, o número de óbitos por doenças como
morte súbita, parada cardiorrespiratória e choque cardiogênico saltaram de
14.938 em 2019 para 19.573 em 2020.
Marcelo Queiroga,
presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, explica que é possível que
haja casos de covid-19 embutidos nesses números. "Sabe-se hoje que o novo coronavírus
tem relação direta com problemas cardíacos. Porém, há outros motivos que podem
explicar também essa alta, como o envelhecimento da população, fatores de risco
impostos pela pandemia como estresse e tabagismo, e o receio de ir ao hospital
quando aparecem sintomas de doenças cardíacas, por medo de contrair a
covid-19", afirma.
Entre os Estados que
mais contabilizaram aumento no número de mortes por doenças cardiovasculares no
período analisado está o Amazonas (com aumento de 94%) seguido por Pernambuco
(85%) e São Paulo (70%). Fernando Bellíssimo Rodrigues, epidemiologista da
Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, nota que esse locais que
registraram maiores números também são regiões que sofreram com sobrecarga do
sistema de saúde. "Esse dado pode refletir óbitos ocorridos sem
assistência hospitalar, resultando no registro da morte como parada cardiorrespiratória
sendo que provavelmente é óbito por covid-19", afirma.
Infarto
e AVC.
Os dados mostram que,
na contramão de outras doenças cardíacas, mortes por síndrome Coronariana Aguda
(Infarto)
e Acidente Vascular Cerebral (AVC)
registraram queda no período analisado, de 14% e 5%, respectivamente. Queiroga,
da Sociedade Brasileira de Cardiologia, explica que provavelmente há um
problema de registro desses óbitos. "É provável que esses números estejam
escondidos em diagnósticos incorretos de óbitos em domicílios, que tiveram
aumento", afirma. Vale lembrar também que cartórios registraram alta de
mortes por causa indeterminada em meio à pandemia.
Andrei Sposito,
cardiologista da Unicamp, enxerga outro problema de notificação neste ponto.
"As pessoas que morrem de covid-19 são as mesmas pessoas que têm doença
cardiovasculares como infarto e AVC: são as mais vulneráveis. Elas podem ter
tido o diagnóstico de covid-19 e não da doença cardiovascular - chamamos isso
de competição de risco. É possível também que pela gravidade da manifestação e
pelo medo de ir ao hospital, elas estejam morrendo em casa".
Base
para estratégias.
Na visão de Sposito, a
alta de 31% no número de mortes por doenças cardiovasculares no país nos
últimos meses não é uma surpresa. "Existem várias publicações no mundo
inteiro mostrando que a covid-19 pode causar doenças cardíacas por vários
mecanismos. Além disso, estamos convivendo com uma desassistência: como os
hospitais estão dedicados principalmente à pandemia, acaba havendo um
retrocesso nos cuidados e acompanhamentos de doenças cardiovasculares",
afirma.
Especialistas concordam
que os dados apresentados pelo Portal da Transparência do Registro Civil são
importantes neste momento. "Ter os números bem discriminados ajuda as
autoridades a pensarem em estratégias de contenção de risco cardiovascular.
Essas informações podem sugerir, por exemplo, a necessidade de assistência
remota para as pessoas serem assistidas dentro de suas casas", diz o
cardiologista da Unicamp.
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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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