FONTE:, Evanildo da Silveira, De Vera Cruz (RS) para a BBC News Brasil, https://noticias.uol.com.br/
"Tem que ter
calma, a população tem que ir entendendo aos poucos o que é esse vírus. Ele é
realmente muito perigoso para quem tem uma certa idade, para quem tem uma
doença. Para a juventude não tem esse perigo todo."
É pouco provável que ao
fazer esta declaração o presidente Jair
Bolsonaro tenha se inspirado num artigo, publicado no início
de maio, na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), no
qual os autores disseram que um maior número de mortes por covid-19 era
esperado em países com populações mais envelhecidas.
Quase um mês depois da
fala do presidente, no entanto, pesquisadores internacionais liderados pela
pesquisadora brasileira Marília Nepomuceno, do Instituto Max Planck de Pesquisa
Demográfica, na Alemanha, publicaram na mesma revista um texto em que discordam
dessa ideia - a edição veio a público no dia 23 de junho.
"Esta conclusão se
baseou em um exercício no qual os autores replicaram as taxas de letalidade por
covid-19 da Itália, que é um país de alta renda e envelhecido, em nações de
renda mais baixa e com populações mais jovens, como é o caso do Brasil",
explica ela.
De fato, de acordo com
Nepomuceno, as taxas de letalidade são maiores em idades mais elevadas.
"Mas os autores publicaram um exercício simplista", diz.
"Não consideraram
diferenças importantes entre os países, como por exemplo, as diversidades
sociais, econômicas e epidemiológicas, que podem afetar o perfil etário dessas
taxas. Idade é uma variável importante para entender a pandemia de covid-19,
mas não pode ser analisada sozinha."
Segundo Marília, a
faixa etária deve ser analisada juntamente com variáveis que contextualizam
cada país, como por exemplo, condições de saúde, desigualdades socioeconômicas,
acesso a serviços médicos, composição das famílias, condições sanitárias, o
privilégio de seguir as medidas de prevenção e distanciamento social, dentre
outras.
Por isso, ela diz que o
escopo de análise da demografia vai além dos efeitos de variações na estrutura
etária.
"Essa é uma visão
muito reducionista da área de estudos populacionais, que deve se preocupar não
apenas com variações dos eventos entre grupos de idade mas também em cada um
deles, ao longo do tempo e entre gerações", explica.
"Para isso, os
demógrafos examinam inúmeras outras variáveis de interesse para a sociedade e
que no caso da covid-19 podem ajudar a explicar as diferenças no número de
casos e de mortes."
Marília alerta que uma
abordagem que considera apenas a estrutura etária populacional para entender um
fenômeno tão complexo como a pandemia de covid-19 pode não ser suficiente para
compreender todo o fenômeno", diz.
"Fatores
contextuais, e não apenas a idade, devem ser considerados para um bom
entendimento da pandemia no Brasil."
Contexto
populacional.
População total.
- Itália: 60,36 milhões (2019)
- Brasil: 209,5 milhões (2018)
- Nigéria: 195,9 milhões (2018)
Porcentagem de pessoas
vivendo acima dos 60 anos.
- Itália: 29,8%
- Brasil: 14,1%
- Nigéria: 4,5%
Mortes abaixo dos 60
anos.
- Itália: 5% (10 de julho)
- Brasil: 30% (14 de julho)
- Nigéria: informação não desagregada
por idade
Isso porque vários
fatores demográficos, sociais, econômicos e governamentais podem explicar as
variações entre países. Para exemplificar isso, o grupo, que inclui
pesquisadores brasileiros, do Canadá e da Alemanha, analisou diferenças entre
as condições de saúde associadas a mortalidade por covid-19 no Brasil e Nigéria
em relação à Itália.
"Constatamos que
as altas prevalências de doenças crônicas entre os adultos brasileiros, por
exemplo, podem aumentar a vulnerabilidade desta população, com potencial para
compensar parte dos benefícios da idade mais jovem."
Marília não quis comentar
a declaração de Bolsonaro. "Nosso trabalho é estritamente
científico."
"Os resultados
publicados, já apontados anteriormente, fazem parte de uma discussão complexa,
que envolve muitos fatores simultâneos e que precisarão ser analisados ao longo
dos próximos anos, até que toda a dinâmica da doença seja conhecida. Nesse
sentido, preferimos não fazer avaliações conjunturais, qualificar opiniões e
declarações, a partir do artigo."
Nenhum comentário:
Postar um comentário