terça-feira, 26 de setembro de 2017

É POSSÍVEL AMOR SEM SEXO, MESMO QUE SEXO SEM AMOR SEJA "TENDÊNCIA"...


FONTE:,(http://joaoluizvieira.blogosfera.uol.com.br).



Há 76 milhões de assexuais no mundo. No Brasil, 2 milhões. Isso significa que 1% da população mundial não tem interesse sexual por qualquer pessoa, homem ou mulher, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em números de 2017. Para falar sobre um assunto tão ou mais controvertido que a transexualidade ou a bissexualidade, conversei com Elisabete Baptista de Oliveira, mestre e doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP e, principalmente, pesquisadora nas áreas de relações de gênero, sexualidade e diversidade sexual. Elisabete mergulhou numa densa e inédita pesquisa com 40 assexuais, de adolescentes a idosos, para a tese de doutorado “Minha Vida de Ameba”. Ameba é a forma como alguns assexuais se identificam em seus fóruns. Paulista, 54 anos, divorciada, ela explica quem são, como vivem e como se relacionam aqueles que não “pensam” em sexo.

JLV – É possível viver tranquilamente sem sexo e/ou sem amor?
Elisabete – As pessoas autoidenficadas como assexuais que eu entrevistei na minha pesquisa mostram que são perfeitamente capazes de viver felizes sem sexo, sendo que algumas são felizes também sem o amor romântico. Essa pesquisa me mostrou que a atividade sexual ocupa diferentes lugares nas vidas as pessoas. Para algumas, é muito importante, indispensável. Para outras, é totalmente desnecessária. Para outras, ainda, pode ter alguma importância em determinados contextos de relacionamento. Portanto, diferentes graus de interesse sexual fazem parte da diversidade humana.

JLV – Os assexuais acreditam que há uma pressão social para que as pessoas tenham interesse sexual por alguém?
Elisabete – Sim. Em minha pesquisa, quase todos os entrevistados revelaram sentir pressão social para o engajamento em relacionamentos afetivo-sexuais. Os homens entrevistados revelaram bastante ansiedade por saberem que as masculinidades mais valorizadas socialmente são aquelas que idealizam o “macho pegador”, aquele que está sempre em busca de sexo, que não perde nenhuma oportunidade de transar. Já as mulheres sofrem pressão por relacionamentos amorosos, casamento e filhos. Algumas entrevistadas me contaram que sentem que suas conquistas profissionais, educacionais e materiais não são valorizadas, pois a expectativa da família e dos amigos é de que elas se casem e tenham filhos. Tanto as mulheres como os homens me disseram que algumas pessoas de seu círculo social pensam que elas e eles são homossexuais. É mais fácil classificá-los como homossexuais do que entender que pode existir outra orientação sexual que não seja heterossexual ou homossexual ou bissexual. A atração sexual compulsória está na base das orientações sexuais conhecidas, mesmo que elas não sejam aceitas socialmente.

JLV – Há uma expectativa maior que os homens sejam sexualmente ativos e viris?
Elisabete – Sim, sem dúvida. Esse foi um dos problemas mais apontados pelos homens que entrevistei na pesquisa. O modelo de masculinidade mais valorizado é o do homem que jamais perde uma oportunidade de fazer sexo. Aqueles que não se identificam com esta masculinidade são percebidos como perdedores, fracassados ou como homossexuais, mesmo que não sejam. As masculinidades assexuais devem ser investigadas para que tenhamos um quadro mais claro dos significados de ser homem no contexto assexual.

JLV – O relacionamento amoroso está no centro da nossa vida?
Elisabete – Acredito que os relacionamentos afetivo-sexuais estejam no centro de nossas experiências sociais. Quando um par amoroso se forma, seus outros relacionamentos (como família de origem e amigos) ficam para um segundo plano. No caso dos casamentos, essa união torna-se mais importante para os cônjuges do que seus outros relacionamentos sociais.

JLV – A escolha da vestimenta é uma maneira de se sexualizar, então eles tendem a neutralizar isso?
Elisabete – Algumas mulheres assexuais que eu entrevistei me disseram que sempre tomaram muito cuidado com seu modo de se vestir, por não quererem ser vistas como objeto sexual pelos homens em seus círculos de relacionamentos. Mas isso não adiantava muito. Nenhum homem, porém, revelou cuidados especiais com a vestimenta.

JLV – Assexuais podem ser considerados misantropos, ou seja, aquele que prefere a solidão, não tem vida social, não gosta da convivência com outras pessoas?
Elisabete – Não, isso não foi revelado por nenhum dos meus entrevistados. A maioria adora a convivência social com família e amigos, muitos gostam de namorar, de se relacionar, ir às baladas, ao cinema. Mas também existem outros que preferem uma vida mais pacata, mais íntima, mas isso não quer dizer que sejam antissociais.

JLV – Há chance de dois assexuais se apaixonarem?
Elisabete – Sim, a grande maioria os assexuais se apaixona como qualquer outra pessoa. Parcerias amorosas são desejadas por muitos/as assexuais, seja com pessoas de outro sexo, do mesmo sexo, de qualquer dos sexos, ou independente de sexo e gênero. Também pode acontecer paixão por outra pessoa assexual. Quase todos os meus entrevistados me disseram que gostariam de uma parceria amorosa assexual, mas não acreditam que encontrarão a pessoa certa que seja como eles. Todos aqueles que estavam em relacionamento amoroso na época da entrevista estavam namorando ou casados com alguém não assexual. Esse é o tipo de parceria mais frequente, e também a mais difícil para ambas as partes, pois implica em muitas negociações.

JLV – A assexualidade é resultado de algum trauma?
Elisabete – Não acredito que nenhuma orientação sexual seja resultado de trauma, nem a heterossexualidade. Nenhum dos meus entrevistados revelou qualquer situação de trauma sexual que possa justificar seu desinteresse por sexo, muito pelo contrário, faziam questão de me dizer que nada nesse sentido tinha acontecido com eles/as. Não podemos nos esquecer de que existe muita gente que passou por trauma sexual, seja abuso ou estupro, e não perdeu o interesse por sexo. É impossível estabelecer uma relação de causa e efeito entre experiências traumáticas e orientação sexual.

JLV – Como a assexualidade é uma expressão de comportamento muito recente, tem a ver com a explosão da pornografia em todos os meios de comunicação? Na hora de abundância de recursos e informações há necessidade de criar limites internos?
Elisabete – É possível que a emergência do conceito de assexualidade tenha, sim, relação com os excessos das representações do sexo na sociedade. É possível que seja uma reação aos excessos. A assexualidade não é recente. O que é recente é o surgimento do conceito e da discussão sobre a assexualidade. Com certeza sempre existiram pessoas desinteressadas por sexo ao longo da História, mas antes não havia um nome para isso, não havia uma classificação, nem havia possibilidade de congregação dessas pessoas, ou seja, de elas saberem que existem outras como elas. Foi a internet que possibilitou isso.

JLV – Costuma-se dizer que não existe ex-gay. Existe ex-assexual?
Elisabete – Não conheço, não aconteceu com nenhum dos meus entrevistados na pesquisa.

JLV – Eles chegam a casar ou ter filhos? Como isso é possível?
Elisabete – Não há nada errado com o corpo da pessoa assexual. Ela pode fazer sexo, casar, ter filhos como qualquer outra pessoa. Entre meus entrevistados, pelo menos cinco tinham filhos.

JLV – Eles são diferentes de abstêmios ou celibatários?
Elisabete – Assexuais são pessoas que não sentem atração sexual, porém isso não as impede de fazer sexo. Alguns são celibatários, ou seja, decidem não se envolver sexualmente com ninguém. Outros, porém, podem se envolver sexualmente e, mesmo assim, isso não entra em conflito com sua autoidentificação como assexual. Celibato é uma
escolha por abstinência sexual. Assexualidade é uma orientação sexual, o indivíduo não escolhe.

JLV – Desejo não implica em atração?

Elisabete – Se pensarmos o desejo como libido, ele pode ser resolvido somente com a masturbação. A atração é o desejo direcionado para outra pessoa. Isso, os assexuais não sentem.

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