FONTE: Helena Bertho, do UOL, (http://estilo.uol.com.br).
Depois de mais de 20 anos de casamento, em 2013 a
aposentada Silvia*, 53 anos, se divorciou e
estava pronta para viver uma fase de autocuidado, de liberdade e de estar disponível para coisas
novas. Rapidamente ela conheceu um novo amor e eles começaram a namorar.
Mas com oito meses de relacionamento veio a bomba: ele tinha um tumor no cérebro.
"A gente se dava muito bem, tínhamos planos
de morar juntos. Mas, com a doença, foi bem complicado. Num primeiro momento,
segurei a bronca, dei apoio, fiz de tudo para ele se sentir bem. Cada vez a
saúde dele exigia mais de mim, até que chegou um momento em que percebi que
estava me doando como mãe e não mais como namorada, mulher. Eu estava me doando
demais e precisava olhar para mim. Então dei um basta, terminei. Foi um ato de
amor-próprio".
Só dá para cuidar do outro se você
estiver bem.
Sua decisão foi muito julgada. O namorado e a
família condenaram a escolha de Silvia, mas ela não se arrepende. "Sei que
tenho de fazer primeiro por mim e depois pelo outro. Estava esquecendo que
aquela doença não era minha; estava virando codependente da doença dele".
Se num primeiro momento o que Silvia fez pode
parecer chocante, a verdade é que atitudes como a dela não são raras e podem,
sim, ser a melhor decisão a ser tomada. "A gente só vai conseguir cuidar
do outro se a gente estiver bem. Muitas vezes é realmente necessário esse tipo
de rompimento para cuidar de si", explica a psicóloga hospitalar Sabrina
Gonzalez.
Segundo a especialista, muitas vezes quando uma
pessoa assume o papel de cuidadora de um parente ou companheiro, ela acaba
ficando doente emocionalmente também. "Existe uma reorganização da
relação, os papéis mudam. Além disso, questões práticas, como trabalho e
dinheiro, são envolvidas e há grande demanda emocional de quem está
doente", explica.
Cada caso é um caso: tudo depende de como são as
relações entre as pessoas, a situação em que vivem, a doença e muitos outros
fatores. Por isso, a psicóloga considera impossível dizer que existe um
comportamento certo ou errado, mas ressalta que é essencial que quem cuida do
outro lembre sempre de cuidar de si.
Quem mais cuida são as mulheres.
Outra coisa muito notada por Sabrina é que as
mulheres normalmente são as que mais assumem a responsabilidade de cuidar de
parentes doentes. "Temos de entender isso de um modo cultural. Atribuímos
à mulher o papel de cuidado, como se fosse do feminino a atenção, a dedicação.
Na verdade, qualquer pessoa pode ter esse papel".
Ana Paula Galvão, 42, gestora cultural, viveu
isso na pele. No final de 2015 sua mãe teve um AVC e perdeu os movimentos do
corpo, ficando completamente consciente. Na hora, Ana Paula foi de São Paulo
para sua cidade natal, no interior paulista, para cuidar dela e viu sua vida
mudar por completo. "Parei meu trabalho, saí da minha casa, parei
tudo", conta.
Mas o mais difícil foi a relação com os homens da
família. "Somos três irmãos, eu e dois homens. Um deles simplesmente
abandonou a responsabilidade dos cuidados da nossa mãe", lembra ela, que
dividiu então com o outro irmão os momentos com a mãe.
"Perdi oito quilos, fiquei mentalmente
confusa, exausta", mas foi com o toque dos amigos e da namorada que Ana
Paula percebeu que precisava olhar para si e se cuidar. Alugou uma casa, para
ter um espaço seu, e começou a fazer terapia. Agora está tentando reorganizar
sua vida profissional, para poder pagar mais uma cuidadora para ajudar com sua
mãe e aliviar um pouco.
E se a pessoa não aceita um cuidador de
fora?
Ter ajuda de um enfermeiro ou cuidador é
importante. Se a pessoa doente for aposentada, ela tem direito a um acréscimo
de 25% na aposentadoria para contratar o profissional. Porém, muitas vezes o
doente não aceita ajuda de desconhecidos. O namorado de Silvia era assim e isso
foi um dos fatores que fizeram com que ela se sentisse sobrecarregada, já que
ele era muito dependente no dia a dia.
Nesses casos, Sabrina Gonzalez orienta ter uma
conversa sincera. "Forçar não é legal. Mas às vezes a pessoa está com
medo, é preciso conversar bastante, explicar que está difícil e ir introduzindo
a ideia da ajuda", explica.
*O nome foi
trocado a pedido da entrevistada.
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