A categoria com o maior número de fatalidades no ano passado foi o
aborto espontâneo por sífilis congênita, com 692 registros.
A epidemia de sífilis que atinge o País fez o número de óbitos infantis
e fetais pela doença congênita (transmitida pela mãe) triplicar em dez anos,
segundo dados do Ministério da Saúde Em 2006, foram 477 casos de crianças
infectadas pela bactéria que morreram ainda no útero da mãe, nasceram mortas ou
não resistiram à doença até um ano após o parto. No ano passado, esse número
passou para 1.499 bebês. O índice só não é maior do que o registrado em 2015
(1.620).
A categoria com o maior número de fatalidades no ano passado foi o
aborto espontâneo por sífilis congênita, com 692 registros. Outros 622 bebês
estão na categoria de natimortos. E 185 crianças morreram antes de completar 1
ano de idade.
Segundo o Ministério da Saúde e especialistas ouvidos pelo jornal O
Estado de S. Paulo, o recente surto da doença e o aumento da mortalidade por
sífilis congênita estão associados a quatro principais fatores: falta de
penicilina no mercado, crescimento do comportamento sexual de risco no País,
falhas na assistência à gestante e resistência de alguns profissionais de saúde
em utilizar o medicamento indicado por risco de reação anafilática.
"Tivemos um período de desabastecimento de penicilina, desde o fim
de 2014. As empresas não queriam vender o medicamento porque o valor estava
muito baixo. Isso não foi um problema exclusivo do Brasil. Mais de 30 países
tiveram essa dificuldade", diz Adele Benzaken, diretora do Departamento de
Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do
HIV/Aids e das Hepatites Virais do ministério. O abastecimento, afirma ela, só
foi normalizado no início de 2017
Segundo ela, metade das equipes de saúde que atuam em unidades de
atenção básica tem resistência em aplicar o medicamento por receio de choque
anafilático. Um parecer do Conselho Federal de Enfermagem previa que os
profissionais deveriam aplicar o remédio somente em centros médicos com
estrutura de primeiros socorros, o que intimidava os trabalhadores de postos de
saúde a aplicar o tratamento às gestantes logo após o diagnóstico. Esse
documento foi revogado em 2015, mas alguns profissionais ainda se recusam a
atuar.
Desamparo.
Para Jorge Senise, infectologista do núcleo de patologias infecciosas da
gestação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o problema poderia ser
minimizado com uma melhor assistência à mulher e à gestante. "Muitas vezes
a grávida chega já tardiamente ao centro de saúde ou há demora para a
realização do teste", afirma.
Foi o caso da estudante Sinara Ferreira, de 21 anos, que descobriu a
doença tardiamente durante a gestação. O bebê, do sexo masculino, nasceu no
início de novembro, mas morreu cinco dias depois, vítima de complicações
provocadas pela doença. "Não sabia que estava doente nem o que era essa
doença. O médico passou uns remédios, mas só consegui no posto quase dois meses
depois", diz.
As complicações que acabaram com a morte do bebê, que nasceu prematuro,
aos 8 meses, e com baixo peso, incluíam convulsões, febre alta e problemas
renais. "Ele tremia muito. Tinha manchas vermelhas pela pele toda e não
conseguia mamar porque tinha uma abertura perto da boca. Foi triste ver meu
filho morrer por causa de uma doença que eu nem sabia que tinha e poderia ter
sido evitada se tivesse tomado os remédios para me tratar a tempo."
Para a comerciária Núbia Ferreira, de 32 anos, a descoberta da doença
foi em setembro, dois dias antes da morte de seu bebê ainda dentro do útero,
com seis meses.
"Eu havia feito alguns exames de sangue e quando entreguei ao
médico ele falou que eu estava com sífilis. Fiquei muito assustada. Comecei o
tratamento imediatamente, mas, para meu desespero, meu bebê morreu dois dias
depois", conta.
Abastecimento normalizado.
O Ministério da Saúde afirmou que o abastecimento de penicilina já está
normalizado no País desde o início deste ano. De acordo com Adele Benzaken,
diretora do Departamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) da
pasta, antes do recente surto as compras do antibiótico eram feitas pelos
Estados e municípios.
A aquisição do insumo foi, no ano passado, centralizada pela pasta
federal para aumentar o apelo para os laboratórios produtores. "Fizemos
uma compra de emergência no ano passado e já está em andamento uma aquisição no
valor de R$ 13 milhões para garantir o medicamento até o fim do ano que
vem", declarou
A mais recente compra está em negociação com um laboratório público, a
Fundação para o Remédio Popular (Furp).
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