Elas
têm causas diferentes, mas o mesmo impacto: impõem restrições, às vezes
severas, ao cardápio de milhões de pessoas em todo o mundo. Alergia e
intolerância alimentar são duas doenças distintas frequentemente confundidas. A
gastropediatra e nutróloga Elza Daniel de Mello, professora da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, desfaz a confusão: “Alergia tem relação com o
sistema imunológico, e a intolerância é provocada pela ausência de enzima para
digerir um alimento.”
Segundo
ela, o leite de vaca é um dos alimentos mais associados às duas doenças, mas
por componentes diferentes. No caso da alergia, o que a desencadeia é a
proteína. Já a intolerância se dá em relação à lactose, o açúcar naturalmente
presente no leite. A especialista indica os sinais e sintomas a que as famílias
devem estar atentas: “A alergia se manifesta mais frequentemente no primeiro
ano de vida com sintomas dermatológicos, respiratórios, gastrointestinais, como
diarreia e fezes com sangue, e desnutrição. A intolerância à lactose provoca
diarreia, aftas de repetição, flatulência (gases), dermatite no períneo e baixa
estatura”, enumera a médica, afirmando que na maioria dos casos o
acompanhamento pode ser feito pelo próprio pediatra da criança.
Já o
pediatra Hélio Fernandes da Rocha, chefe do Serviço de Nutrologia Pediátrica do
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, da UFRJ, diz que a
criança ou adulto com intolerância ao açúcar do leite (lactose) pode ingerir
leite na forma de iogurte ou usando uma adição da enzima que falta no seu
intestino durante a alimentação com leite. “O leite é importantíssimo, em
especial como fonte de cálcio para escolares e adolescentes. O uso adequado com
esses cuidados deve ser incentivado e não restrito.”
Para
o diagnóstico de alergia, nem sempre o teste de contato, aquele em que várias
substâncias (alérgenos) são colocadas na pele para verificar se haverá reação,
é eficaz: “O mais importante é o teste de provocação. Retira-se o leite de
forma rigorosa por seis a oito semanas e, depois disso, ele é liberado. Se os
sintomas voltarem, está confirmado o diagnóstico.” Nesses casos, a recomendação
é buscar uma alternativa, como o leite de soja. Mas a médica faz um alerta:
“Não são indicados os leites de soja que contenham muito açúcar e pouca
proteína. A orientação é usar fórmulas sem açúcar.” E o pediatra Hélio Rocha
acrescenta: “Quando existe alergia à proteína do leite de vaca, a criança ou o
adolescente não deve tomar leite, pois o risco é muito grande. Terá que ser
reconduzido ao uso sob a orientação de um especialista.”
Recentemente,
alçado à condição de vilão da alimentação contemporânea e associado a dietas
restritivas para perda de peso, o glúten, proteína presente em cereais como
trigo, centeio e aveia, não deve ser banido da alimentação infantil, segundo a
professora, a não ser nos casos comprovados de doença celíaca. “É necessário
que se tenha certeza do diagnóstico”, alerta a especialista.
O
pediatra Hélio Rocha diz que o glúten é digerido pelo doente celíaco, mas causa
uma reação inflamatória complexa compatível com uma alergia grave e crônica que
expõe o paciente a várias complicações por diarreia e alterações funcionais,
levando-o à desnutrição e à predisposição para morte. “Ao ser incorretamente interpretado
como causador de outras doenças, como obesidade, o glúten, que compõe uma parte
fundamental na ração alimentar, como massas, pães, doces, biscoitos, e está
presente como aditivo ou espessante de centenas de outras preparações,
estaremos impondo uma restrição muito danosa. São hábitos milenares, pois o
glúten estava no pão da Santa Ceia, de que estaremos abrindo mão com riscos a
desabastecermos a população de importantíssimo alimento”.
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