FONTE: Andreia Verdélio - Repórter da Agência Brasil, (http://leiamais.ba).
Um
grande fator de risco para o suicídio são as tentativas anteriores.
O suicídio é a
quarta maior causa de morte de jovens entre 15 e 29 anos no Brasil. Os dados
são do primeiro boletim epidemiológico sobre suicídio, divulgado ontem (21)
pelo Ministério da Saúde, que mostram ainda que, em 2015, 65,6% dos óbitos
nessa faixa etária foram por causas externas: violências e acidentes. A
divulgação faz parte das ações do Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção ao
suicídio.
O oficial de
justiça aposentado Ivo Oliveira Farias, perdeu a filha Ariele para o suicídio
em 2014, quando ela tinha 18 anos de idade. Ele superou o tabu e a vergonha e
hoje fala abertamente sobre o suicídio da filha e a importância da prevenção.
“As pessoas não
se matam porque querem morrer, mas para acabar com a dor, não para matar a
vida. [Para eles], a única alternativa de parar de sofrer é morrendo, elas
querem acabar com a dor da depressão, do significado da existência. Elas estão
em uma situação da qual não encontram uma saída e aí elas saem da vida como
forma de resolver o problema”, disse.
Para ele, é
preciso falar cotidianamente sobre suicídio, “até na mesa do bar”.
“Aquela pessoa
que está vivendo o drama, pode encontrar um caminho ali para buscar uma ajuda.
A gente tem que conversar com as pessoas. Quando uma pessoa diz que quer se
matar, a gente tem que acreditar. A maioria dá sinal, 9 em cada 10 dão sinal”,
ressaltou.
Segundo a
psicóloga e coordenadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do
Suicídio, Karen Scavacini Karen, os sinais de alerta muitas vezes só fazem
sentido depois da morte e são muito complexos de serem observados e entendidos.
Entretanto, ela mostrou preocupação com o aumento do suicídio entre jovens.
Segundo Karen, é
importante lembrar que o cérebro só termina de se formar aos 21 anos e que os
jovens têm mais impulsividade, menor autocontrole e menor consciência crítica.
“Temos visto
jovens que não têm tolerância à frustrações, fazendo alto uso de álcool de
drogas, jovens isolados”, disse ela, explicando que as redes sociais são umas
das causas desse isolamento e frustração.
“Por mais que
haja um contato virtual, o contato significativo tem diminuído. E tudo que ele
vê no Facebook e na rede social, ele acha que é verdade e compara com a própria
vida, porque nas redes sociais todas as pessoas aparentam estar feliz sempre”,
disse.
A pressão com a
carreira, a pressão em ser o melhor são preocupações que pesam aos jovens,
segundo Karen. “E um vazio existencial. O próprio sentido da vida das pessoas”,
ressaltou.
Fatores
de risco.
A psicóloga
Karen cita ainda a mídia e as séries de TV, como 13 Reasons Why, do canal de
streaming Netflix, que, para ela, têm uma grande influência sobre os jovens.
“Quando o jovem
se identifica com o personagem, aumenta o risco de contágio”, disse. Na série,
a personagem principal comete suicídio e tenta explicar as suas razões.
“A série é muito
boa em trazer esse assunto para a realidade das pessoas. No geral, as pessoas
acham que suicídio só acontece na casa do vizinho. O problema é que a grande
maioria dos jovens viu a série mas não teve como conversar porque os pais não
viram. Não teve um diálogo aberto sobre tudo que aconteceu com a Hanna
[personagem que cometeu suicídio]”, disse, argumentando que a própria série,
que trouxe à tona a discussão, poderia mostrar as saídas, os caminhos para se
receber ajuda.
Uma outra
questão que também influencia os jovens é a descoberta da homossexualidade,
quando eles assumem isso perante a família e a sociedade.
“Dependendo da
maneira como a situação é tratada é um fator de risco para o suicídio”, disse.
“A decisão recente de que homossexualidade pode ser tratada, pode aumentar esse
fator de risco. É um retrocesso grande”, explicou.
Karen explicou
ainda que muitos transtornos mentais iniciam na adolescência e muitas vezes é
difícil para a família entender que o jovem precisa de ajuda especializada e
que não são só “sintomas” de adolescência.
A demora em
receber o tratamento adequado, o tabu e o preconceito das pessoas em procurar o
psiquiatra e o psicólogo são problemas que precisam de atenção.
Para ela, existe
uma dificuldade de acesso a serviços de saúde, tanto para tratamento de uso de
substâncias, quanto para jovens com comportamentos suicidas.
Além disso, é preciso um tratamento mais humano pelos profissionais de saúde quando as pessoas conseguem acessar esses serviços. “Tenho relatos de pessoas que foram maltratadas em prontos-socorros ou pelo médico. E isso é uma coisa comum. Eles não têm a formação em prevenção”, disse. “É preciso sensibilizar os profissionais que eles estão lidando com dor, que o suicídio é a resposta a uma dor terrível que a pessoa não conseguiu outra saída”.
Tentativas
repetidas.
Um grande fator
de risco para o suicídio são as tentativas anteriores. Segundo Karen, os
primeiros 30 dias depois da alta é o período de risco aumentado porque não há
uma continuidade no cuidado com essas pessoas.
“O que levou uma
pessoa a tentar suicídio foi um sofrimento intenso e isso não vai embora. É
preciso continuidade em termos de tratamento psiquiátrico e psicológico para a
aceitação, para que não haja novas tentativas”, explicou.
Ela ressaltou,
entretanto, que quem tenta o suicídio não está fadado a repetir esse
comportamento, mas precisam de tratamento adequado.
Karen contou que
um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) mostrou diminuição no
risco de tentativas repetitivas de suicídio com o acompanhamento telefônico das
pessoas que tentaram suicídio após a alta hospitalar. “Isso poderia ser feito
por qualquer pessoa treinada.
Eles apenas
ligavam para saber como o outro estava”, explicou. “O retorno para casa dessas
tentativas é mais difícil e precisa ser acompanhado para que a pessoa possa
seguir caminhos mais saudáveis”.
Sobreviventes
enlutados.
Os sobreviventes
enlutados, familiares ou amigos de pessoas que cometeram suicídio também
merecem atenção, segundo Karen. Ela coordena um grupo de apoio aos enlutados
pelo suicídio. “Há um julgamento muito grande e um julgamento transferido,
julga aquele que tenta o suicídio e, quando ele consegue, julga quem fica
porque não viu os sinais. É preciso olhar para quem perdeu alguém com empatia”,
disse.
O aposentado Ivo
Farias frequenta o grupo coordenado por Karen, além de outros. “Você para de
viver. Você luta para se manter vivo, a vida perde o significado e, no meu
caso, o significado é lutar por essa causa [de prevenção ao suicídio]. A
maioria fica no anonimato porque é julgado a todo instante pelas pessoas a sua
volta”, disse.
Ele explicou
que, mesmo que a pessoa saiba que não é culpada, ela se sente responsável pela
pessoa que se foi. “Sente uma certa incompetência porque não conseguiu mantê-la
vida. A grande maioria dos enlutados esconde”, explicou.
Para Ivo, quando
mais se falar em suicídio menos as pessoas vão ter receio em procurar ajuda e
pedir apoio. “Nós enlutados somos suicidas em potencial. No primeiro ano [após
a morte da filha], eu passava em viaduto e ficava pensando em me jogar. É uma
dor que não diminuiu. Ou você se fortace e busca uma alternativa ou você
definha e morre. Quando se fala abertamente, se consegue falar a palavra, a
gente consegue superar”, disse.
CVV.
O Centro de
Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio,
atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam
conversar, sob total sigilo, 24 horas todos os dias.
Ele atende pelo
número de telefone 141 ou diretamente no posto regional. Em cidades sem posto
de atendimento do CVV, as pessoas podem utilizar o atendimento por chat, skype
e e-mail disponíveis na página do CVV .
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