segunda-feira, 4 de maio de 2020

ABSORVENTES FEITOS DE PANO, COMUNS NO PASSADO, VOLTAM A SER PRODUZIDOS...


FONTE: Alessandra Oliveira,http://atarde.uol.com.br/

               

O que era coisa do passado, agora é novidade. Absorventes feitos de pano, comumente usados para conter o sangue menstrual até meados do século 20, começam um novo ciclo de uso e produção. Em uma versão repaginada, além das lindas opções de estampa, carregam discussões sobre saúde feminina e cuidado com o meio ambiente.

A confecção é feita com dois pedaços de tecido 100% algodão, recortados para encaixar na calcinha. Entre eles, é colocado um tecido atoalhado e, em alguns casos, outro impermeável. Por fim, costuram-se as bordas. 

Na marca soteropolitana Flor de Maio, são feitos cerca de 35 desses produtos por dia. “Eles são muito confortáveis e saudáveis. Absorventes descartáveis têm substâncias químicas tóxicas, que são absorvidas pela pele e estão associadas a problemas hormonais, imunológicos e ao câncer. Algumas aumentam o sangramento menstrual. 

Assim, a pessoa precisa comprar mais, criando um ciclo capitalista”, explica Júlia Morais, 23. A doula e bacharel em arte fundou a Flor de Maio junto com a mãe Fátima Cerqueira, 50, em 2017. Ao começar a usar as peças, feitas por ela à mão em 2015, começou um processo de auto-observação, para saber, por exemplo, quando precisava trocar a peça durante o ciclo menstrual. Hoje, ela recomenda o uso contínuo por até 4h.

Por mês, Júlia indica o revezamento de cinco a 10 deles. A mesma quantidade de absorventes descartáveis são gastos em dois dias de menstruação. Se contarmos toda a vida fértil feminina, lá se vão mais de 10 mil. Menos lixo significa também menor gasto financeiro. Se pegarmos, por exemplo, os seis modelos vendidos na Flor de Maio, que custam de R$ 18 a R$ 28, e montássemos um kit com dez, o valor total ficaria entre R$ 180 e R$ 280. O valor é um pouco maior que a média anual de R$ 216 para os descartáveis, mas os de pano têm a vantagem de durar de cinco a seis anos.

No caso da estudante Lorena Lima, 23, o que a fez buscar alternativas ao absorvente comum foi uma alergia. “Só podia usar um tipo, feito de algodão e sem cheiro. Além de mais caro, é difícil de achar. Quando ficava em falta, batia o desespero”.

Quando conheceu a Flor de Maio, em 2018, já tinha migrado para o coletor, copinho de silicone usado internamente durante a menstruação, mas ainda não estava satisfeita. “Passei a me sentir desconfortável em não deixar o sangue sair do corpo, circular”.

Artesanal.
O incômodo com o uso do coletor foi a motivação de Júlia para fazer uma oficina de fabricação de absorvente de pano, ministrada pela paulista Suzana Su, 30, que morou aqui por três anos. Quando chegou em 2014, desempregada, criou a Bem Me Vi para vender e ensinar sua produção artesanal. “O mais importante é que todas tenham e saibam que podem fazer”, diz.

Hoje, ela mora em Aracaju, mas vende em Salvador através da marca de alimentos veganos Amiga da Vaca. Suzana não consome produtos de origem animal e foi pelo veganismo que chegou aos absorventes reutilizáveis.

Em 2011, descobriu que a fabricante dos descartáveis usados por ela fazia testes em animais. Logo procurou tutoriais online em inglês para fazer os seus e até organizou um “costuraço” no coletivo feminista Bando de Marias.

Com Júlia, o processo também partiu de um interesse individual. Depois de fazer os absorventes para si, passou a presentear as amigas, que, por sua vez, encomendavam para terceiras. Assim, sucessivamente, a Flor de Maio se fez com coparticipação da mãe e sócia Fátima, que ensinou a filha a usar máquina de costura, diversificando as vendas, que incluem absorventes para seios, nécessaires, guardanapos e máscaras. 

Fátima, que usava absorventes de pano na adolescência, estranhou de início o novo modelo. “Eu tinha aquela ideia: “Ih, meu Deus, de novo? Isso é coisa de antigamente’”. Hoje, observa a mesma desconfiança nas clientes com mais idade: “Fomos ensinadas a ver a menstruação como suja, como algo para se esconder, ter vergonha. Tudo isso fui desconstruindo”.

Esse processo de autoconhecimento e autonomia feminina sobre seu corpo vai ser tema de cursos e rodas de conversa do Cabaça, projeto de ginecologia natural criado por Júlia e Lorena, que, de cliente, virou amiga.

Seu início foi adiado por conta da pandemia, assim como o da Oni Loja Colaborativa, idealizada por Júlia e a mãe para vender produtos artesanais sustentáveis feitos por empreendedores(as) pretos(as). Oni, do yorubá, significa “nascida em solo sagrado”.

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