O que era coisa do
passado, agora é novidade. Absorventes feitos de pano, comumente usados
para conter o sangue menstrual até meados do século 20, começam um novo
ciclo de uso e produção. Em uma versão repaginada, além das lindas opções
de estampa, carregam discussões sobre saúde feminina e cuidado com o meio
ambiente.
A confecção é feita com
dois pedaços de tecido 100% algodão, recortados para encaixar na calcinha.
Entre eles, é colocado um tecido atoalhado e, em alguns casos, outro
impermeável. Por fim, costuram-se as bordas.
Na marca soteropolitana
Flor de Maio, são feitos cerca de 35 desses produtos por dia. “Eles são
muito confortáveis e saudáveis. Absorventes descartáveis têm substâncias
químicas tóxicas, que são absorvidas pela pele e estão associadas a
problemas hormonais, imunológicos e ao câncer. Algumas aumentam o sangramento
menstrual.
Assim, a pessoa precisa
comprar mais, criando um ciclo capitalista”, explica Júlia Morais, 23. A
doula e bacharel em arte fundou a Flor de Maio junto com a mãe Fátima
Cerqueira, 50, em 2017. Ao começar a usar as peças, feitas por ela à mão
em 2015, começou um processo de auto-observação, para saber, por exemplo,
quando precisava trocar a peça durante o ciclo menstrual. Hoje, ela
recomenda o uso contínuo por até 4h.
Por mês, Júlia indica o
revezamento de cinco a 10 deles. A mesma quantidade de absorventes descartáveis
são gastos em dois dias de menstruação. Se contarmos toda a vida fértil
feminina, lá se vão mais de 10 mil. Menos lixo significa também menor
gasto financeiro. Se pegarmos, por exemplo, os seis modelos vendidos na Flor de
Maio, que custam de R$ 18 a R$ 28, e montássemos um kit com dez, o valor
total ficaria entre R$ 180 e R$ 280. O valor é um pouco maior que a média anual
de R$ 216 para os descartáveis, mas os de pano têm a vantagem de durar de
cinco a seis anos.
No caso da estudante
Lorena Lima, 23, o que a fez buscar alternativas ao absorvente comum foi
uma alergia. “Só podia usar um tipo, feito de algodão e sem cheiro. Além
de mais caro, é difícil de achar. Quando ficava em falta, batia o
desespero”.
Quando conheceu a Flor
de Maio, em 2018, já tinha migrado para o coletor, copinho de silicone usado
internamente durante a menstruação, mas ainda não estava satisfeita. “Passei a
me sentir desconfortável em não deixar o sangue sair do corpo, circular”.
Artesanal.
O incômodo com o uso do
coletor foi a motivação de Júlia para fazer uma oficina de fabricação de
absorvente de pano, ministrada pela paulista Suzana Su, 30, que morou aqui por
três anos. Quando chegou em 2014, desempregada, criou a Bem Me Vi para
vender e ensinar sua produção artesanal. “O mais importante é que todas tenham
e saibam que podem fazer”, diz.
Hoje, ela mora em
Aracaju, mas vende em Salvador através da marca de alimentos veganos Amiga da
Vaca. Suzana não consome produtos de origem animal e foi pelo veganismo que chegou
aos absorventes reutilizáveis.
Em 2011, descobriu que
a fabricante dos descartáveis usados por ela fazia testes em animais. Logo
procurou tutoriais online em inglês para fazer os seus e até organizou um
“costuraço” no coletivo feminista Bando de Marias.
Com Júlia, o processo
também partiu de um interesse individual. Depois de fazer os absorventes
para si, passou a presentear as amigas, que, por sua vez, encomendavam para
terceiras. Assim, sucessivamente, a Flor de Maio se fez com coparticipação da mãe
e sócia Fátima, que ensinou a filha a usar máquina de costura, diversificando
as vendas, que incluem absorventes para seios, nécessaires, guardanapos e
máscaras.
Fátima, que usava
absorventes de pano na adolescência, estranhou de início o novo modelo. “Eu
tinha aquela ideia: “Ih, meu Deus, de novo? Isso é coisa de antigamente’”.
Hoje, observa a mesma desconfiança nas clientes com mais idade: “Fomos
ensinadas a ver a menstruação como suja, como algo para se esconder, ter
vergonha. Tudo isso fui desconstruindo”.
Esse processo de
autoconhecimento e autonomia feminina sobre seu corpo vai ser tema de cursos e
rodas de conversa do Cabaça, projeto de ginecologia natural criado por Júlia e
Lorena, que, de cliente, virou amiga.
Seu início foi adiado
por conta da pandemia, assim como o da Oni Loja Colaborativa, idealizada por
Júlia e a mãe para vender produtos artesanais sustentáveis feitos por
empreendedores(as) pretos(as). Oni, do yorubá, significa “nascida em solo
sagrado”.
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