A Irlanda é um país
católico. Estima-se que 78% de sua população seja seguidora do Papa Francisco.
Pois, nesta na última sexta-feira, essa mesmíssima população foi às urnas e aprovou,
num referendo e com quase 70% dos votos, a legalização do aborto.
Ficou translúcida a insatisfação com a legislação antiga.
Isso sozinho já seria
um motivo gigantesco para invejarmos o país. Mas vou mais longe.
O que motivou a onda de
ativismo e a mudança de pensamento de muita gente foi a morte de Savita
Halappanavar, em 2012. A dentista indiana, habitante
da Irlanda, morreu de infecção generalizada depois que os médicos se recusaram
a cuidar dela devido à legislação do país. Ela estava grávida de 17 semanas e,
como ainda havia batimento no coração do bebê, os médicos disseram que, por
lei, não poderiam intervir. Savita foi obrigada a voltar pra casa e passar por
um aborto espontâneo.
Este processo durou uma
semana e no final, matou a mãe.
A população se chocou
com o caso e se deu conta do absurdo da lei que regia o assunto no país. Deu-se
então o início de uma empreitada de luta que durou seis anos e acabou na
sexta-feira, com a mudança da lei.
É isso que devemos
invejar.
No Brasil, quando uma
mulher morre por consequência de um aborto ilegal o que vemos são pessoas
dizendo coisas como “teve
o que merecia” pra baixo. Percebem o abismo da
diferença? Somos pautados pela mais escrota lógica do castigo e da punição.
Enquanto sociedade somos incapazes de nos solidarizarmos com quem pensa
diferente de nós. E isso é triste demais, principalmente quando vidas estão em
jogo.
Porque vejam: não foi
uma mudancinha na lei que agora permite que casos como o de Savita sejam
prontamente atendidos e nem a inclusão de aborto para casos de anencefalia ou
risco para a mãe (como temos no Brasil, depois de uma luta árdua). Na Irlanda,
a partir de agora, quem decidir que não quer levar a gravidez adiante tem o
respaldo da lei para fazer um aborto.
Eles foram de um
extremo a outro porque perceberam que 1) faz aborto quem quer, não é uma
obrigação, é uma opção, 2) não vale a pena botar as mulheres em risco em nome
de um embrião que não pode nem ser chamado de feto (ainda) e 3) oferecer esta
possibilidade não abala a fé e a crença de ninguém.
Quando uma mulher
decide que não pode, não consegue ou não quer levar uma gravidez adiante
devemos ouvi-la e respeitá-la, não importando se concordarmos com ela ou não.
É isso que eu invejo.
Essa maturidade. Esse respeito pelo outro.
Será que conseguiremos
chegar lá algum dia?
Sobre
a autora.
A jornalista Lia Bock
começou a publicar os textos sobre relacionamento que escrevia desde a
adolescência em 2008, no site da revista TPM, onde se tornou redatora-chefe.
Passou por publicações como Isto É, Veja SP e TRIP e foi colunista de sexo da
GQ. É autora do livro "Manual do Mimimi: do casinho ao casamento (ou
vice-versa)". Já morou em Pirenópolis e em Londres. Nasceu em 1978 e é mãe
de dois meninos.
Sobre
o blog.
Um espaço para pensatas
e divagações sobre sexo, filhos, coração partido, afetações apaixonadas e o
espaço da mulher no mundo.
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