FONTE: , Nicholas Kristof, Em Hetauda (Nepal), (noticias.uol.com.br).
Ver esse médico trabalhar é como observar milagres.
Ele devolveu a visão
a mais de 100 mil pessoas, talvez mais do que qualquer médico na história, e os
pacientes não param de chegar. Eles vêm de vilarejos remotos, através de
trilhas nas montanhas, cambaleando e tateando, esperando passar pelo bisturi
para voltar a ver seus familiares.
Um dia depois da
cirurgia para remover a catarata, ele retira as ataduras --e veja só! Eles
conseguem enxergar claramente. Primeiro com hesitação, depois com júbilo, eles
olham em volta. Poucas horas depois, voltam andando para casa, irradiando uma
felicidade indescritível.
O médico
oftalmologista nepalês Sanduk Ruit talvez seja o campeão mundial na guerra
contra a cegueira. Cerca de 39 milhões de pessoas em todo o mundo são cegas
--cerca de metade por causa da catarata-- e outros 246 milhões têm a visão
deficiente, segundo a Organização Mundial de Saúde.
Se você é uma pessoa cega
num país pobre, então normalmente não tem esperança. Mas Ruit é pioneiro numa
técnica de microcirurgia de catarata simples que custa apenas US$ 25 (R$ 94)
por paciente e é quase sempre bem-sucedida. Na verdade, seu "método
Nepal" agora é ensinado nas faculdades de medicina dos EUA.
Todos os anos ofereço
uma viagem a um estudante, que vai comigo a algum país em desenvolvimento para
cobrir temas pouco conhecidos. Austin Meyer, aluno da Universidade de Stanford,
e eu viajamos para Hetauda, no sul do Nepal, para assistir a Ruit fazer sua
mágica em 102 homens e mulheres.
Uma das pacientes era
Thuli Maya Thing, uma mulher de 50 anos que diz que tem dificuldades para
cuidar dos filhos desde que perdeu a visão devido à catarata nos últimos anos.
Por causa da cegueira e da incapacidade de trabalhar, a família às vezes passa
fome.
"Não posso ir
buscar lenha nem água", Thuli Maya me disse. "Não posso fazer comida.
Eu vivo caindo. Já me queimei no fogo."
Então Thuli Maya
estava esperando fora do hospital de olhos que Ruit montou aqui, nervosa, mas
também ansiosa pelo resultado. "Vou conseguir ver meus filhos e meu marido
de novo --é isso que eu mais quero", disse ela.
Ela foi levada à sala
de operação, e um anestésico local foi injetado em seus olhos. Depois de abrir
o olho esquerdo com um espéculo de pálpebras, Ruit observou através de um
microscópio enquanto fazia uma pequena incisão no globo ocular e, em seguida,
puxou a catarata --e colocou-o na palma da minha mão. Era dura e amarelada,
talvez com oito milímetros de diâmetro, um pequeno disco opaco que devastou a
vida de Thuli Maya.
Ruit inseriu uma
lente minúscula no olho e concluiu a cirurgia. O processo levou apenas cinco
minutos. Em seguida, ele repetiu o procedimento no olho direito de Thuli Maya,
confiante de que ela voltaria a enxergar.
"Aqui os
resultados são muito claros", disse Ruit enquanto fazia um curativo no
olho da paciente. "É diferente de qualquer outra intervenção médica."
Nos Estados Unidos, a
cirurgia da catarata normalmente é realizada com máquinas complexas. Mas elas
são inacessíveis nos países pobres, de modo que Ruit aperfeiçoou o trabalho de
outros (entre eles do Aravind Eye Care System na Índia, uma instituição
excepcional que realizou 280 mil cirurgias de catarata no ano passado) para inovar
e refinar a microcirurgia de pequena incisão para remoção de catarata sem
sutura.
No início, os céticos
denunciaram e ridicularizaram suas inovações. Mas então o "American
Journal of Ophthalmology" publicou um estudo sobre um ensaio clínico
aleatório revelando que a técnica de Ruit tinha exatamente o mesmo resultado
(98% de sucesso num prazo de seis meses de acompanhamento) que as máquinas
ocidentais. A diferença era que o método de Ruit era muito mais barato e
rápido.
"Os resultados
são fantásticos", disse o Dr. Geoffrey Tabin, oftalmologista do Moran Eye
Center da Universidade de Utah. Tabin aprendeu a técnica de Ruit e também
esteve em Hetauda, removendo cataratas ao lado de Ruit, e diz que os resultados
obtidos utilizando esta técnica na zona rural do Nepal são tão bons quanto os
de seus pacientes em Salt Lake City, que pagam por serviços de primeira classe
e desfrutam de quase US$ 1 milhão em equipamentos médicos de última geração.
Tabin disse que,
quando não é possível utilizar as máquinas para a cirurgia de catarata nos
Estados Unidos (se, por exemplo, a catarata é grande demais), a técnica de
cirurgia manual padrão norte-americana é inferior à de Ruit.
Tabin, um alpinista
que se interessou pelo Nepal após subir o Monte Everest, lidera o Projeto de Catarata
do Himalaia, uma instituição de caridade norte-americana que apoia o trabalho
de Ruit e leva suas técnicas a outros países, como a Etiópia e Gana. A batalha
contra a cegueira mundial é agora um projeto conjunto de Ruit e Tabin, e eles
batizaram seu site de CureBlindness.org com otimismo.
"Ruit foi o
primeiro médico a colocar lentes em pessoas pobres no mundo em
desenvolvimento", disse Tabin. "Ninguém mais devolveu a visão a tanta
gente."
Pelas contas de Ruit,
que outros acreditam ser factíveis, ele realizou 120 mil cirurgias de catarata,
a maioria em apenas um olho dos pacientes. Ruit desenvolveu não só uma técnica
cirúrgica, mas todo um sistema de medicina oftalmológica. Ele fundou o
Instituto de Oftalmologia Tilganga, que inclui hospitais, clínicas
comunitárias, programas de treinamento e um banco de olhos, cobrando dos
pacientes mais ricos para apoiar os mais pobres como Thuli Maya. O Tilganga faz
cirurgias de olhos em 30 mil pacientes anualmente --metade delas é paga, a
outra metade é gratuita.
O Tilganga também
fabrica 450 mil lentes por ano para uso em cirurgia de catarata, mantendo os
custos em US$ 3 (R$ 11) por lente em comparação com US$ 200 (R$ 750) no
Ocidente. A qualidade parece excelente, e elas são exportadas para 50 países,
inclusive na Europa. E para aqueles que perdem um olho, a Tilganga faz próteses
realistas que custam US$ 3, em comparação com US$ 150 (R$ 565) por uma prótese
ocular importada.
Este sistema
impressiona especialistas do mundo inteiro. O médico David F. Chang,
ex-presidente da Sociedade Americana de Catarata e Cirurgia Refrativa, descreve
Ruit como "um dos oftalmologistas mais importantes do mundo".
Ruit, 61 anos, que cresceu numa região remota do nordeste do Nepal e estudou medicina na Índia, está agora levando seu modelo para outros países de baixa renda.
"Se conseguimos
fazer isso no Nepal, pode se fazer em qualquer lugar do mundo", disse ele.
Uma motivo para ter a
visão como tema da viagem: a cegueira é ao mesmo tempo algo extremamente
debilitante e normalmente fácil de curar ou prevenir. Cápsulas de vitamina A
custam 7 centavos de real e podem impedir 250 mil casos de cegueira infantil ou
mais por ano (metade dessas crianças morrem um ano depois de ficarem cegas). O
tracoma, que leva à cegueira, pode ser evitado com mais higiene e antibióticos
doados. A oncocerose (ou cegueira dos rios) está acabando, em parte por causa
do trabalho heroico de Jimmy Carter e de remédios doados pela Merck. E a
catarata --bem, vamos voltar a Thuli Maya.
Um dia depois da
cirurgia, ela e os outros 101 pacientes estavam prontos para tirar suas
ataduras. Ruit tirou com cuidado os tapa-olhos de Thuli Maya, e ela piscou
algumas vezes --e enxergou o que estava em volta pela primeira vez em anos. Ela
sorriu enquanto sua visão era testada; o resultado foi 20/20.
"Antes eu me
arrastava por aí", disse Thuli Maya em meio a sorrisos", agora posso
levantar e andar."
Os leitores às vezes
me falam sobre suas dúvidas em relação à ajuda humanitária, e é verdade que ajudar
as pessoas é sempre mais difícil do que parece. Mas às vezes é quase milagroso:
uma cirurgia de US$ 25 (R$ 94), US$ 50 (R$ 188) para ambos os olhos, para
devolver a visão a uma pessoa. "Isto tem um impacto tão grande, por tão
pouco dinheiro", disse Ruit enquanto observava seus pacientes se
acostumando a voltar a enxergar.
Enquanto isso, Thuli
Maya dançava.
Tradutor: Eloise De Vylder
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