FONTE: RUTH COSTAS, DA BBC BRASIL, (www1.folha.uol.com.br).
Você sabia que cortando
o seu churrasquinho de fim de semana você pode ajudar a combater a seca que
desatou a crise da água em São Paulo ou o derretimento das geleiras no Ártico?
Pelo menos é o que
sugere um estudo britânico que defende que comer muita carne não só faz mal à
saúde, como também faz mal ao planeta –e propõe uma série de medidas para
reduzir o consumo do produto no mundo.
No estudo
"Changing climate, changing diets" (Mudando o clima, mudando a
dieta), publicado semanas após um relatório da OMS (Organização Mundial da
Saúde) recomendar um limite no consumo de carne vermelha e relacionar a ingestão
de carnes processadas a um aumento do risco de câncer colorretal, pesquisadores do centro de estudos Chatham House (também
conhecido como Instituto Real de Assuntos Internacionais) dizem que a adoção de
uma dieta "sustentável" –com níveis moderados de consumo de carne
vermelha– poderia contribuir com um quarto da meta global de cortes na emissão
de gases causadores do efeito estufa até 2050.
A pesquisa, divulgada na
terça-feira (24), diz que o consumo global de carne tende a aumentar 76% até
meados do século e que em países industrializados já se come, em média, duas
vezes mais carne do que os especialistas recomendam.
"O resto da
população global não pode convergir para os níveis de consumo de carne dos
países desenvolvidos sem que haja um custo social e ambiental imenso" diz.
"São padrões incompatíveis com o objetivo de evitar o aquecimento
global."
"É claro que não
estamos defendendo que todos devem se tornar vegetarianos", explicou
Antony Froggatt, que assina o estudo junto com as pesquisadoras Laura Wellesley
e Catherine Happer. "Mas sim que são necessárias políticas que ajudem a
informar melhor a população sobre o problema e favoreçam níveis de consumo de
carne mais saudáveis e sustentáveis, reduzindo o excesso onde ele existe."
O relatório menciona
dados da FAO, braço da ONU para a agricultura e alimentação, segundo os quais a
criação de animais para o abate ou a produção de leite e ovos responde por 15%
das emissões globais de gases do efeito estufa –o equivalente às emissões de
todos os carros, caminhões, barcos, trens e aviões que circulam mundo afora.
O problema estaria em
parte ligado ao fato de que a digestão de gado bovino libera uma grande
quantidade de gás metano, um dos grandes vilões do efeito estufa. Também
haveria um efeito negativo derivado do desmatamento para formação de pastagens
e de gases emitidos com a aplicação de adubos e fertilizantes sintéticos.
O estudo da Chatham
House faz um levantamento exclusivo sobre as atitudes de pessoas de 12 países
–entre eles o Brasil– sobre o consumo de carne, a relação entre a criação de
animais e as mudanças climáticas e possíveis políticas públicas para lidar com
a questão. O objetivo, segundo seus autores, seria entender "como o ciclo
de inércia pode ser quebrado e uma dinâmica positiva de ação do governo e da
sociedade pode ser criado."
Entre as medidas
propostas estão políticas para expandir a oferta de alimentos que sejam uma
alternativa à carne, mudanças nos cardápios nas escolas e outras instituições
públicas, o estabelecimento de diretrizes internacionais sobre o que seria uma
dieta "sustentável e saudável" e o fim dos subsídios aos produtores
de carne onde eles existem.
CÁLCULOS.
Não é de hoje que os
cientistas tem tentado entender o impacto ambiental da produção pecuária e
medir a emissão de gases poluentes nessa atividade. Em 2009, um grupo de
pesquisadores brasileiros ligados ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE) concluiu que a pecuária poderia ser responsável por quase 50% das
emissões totais de gases de efeito estufa no país.
No mesmo ano, durante a
Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas em Copenhague (COP 15), o Brasil
se comprometeu a cortar suas emissões entre 36,1% e 38,9% até 2020. E, como o
país tem um dos maiores rebanhos bovinos comerciais do planeta, há certo
consenso de que, para fazer isso, precisa reduzir as emissões do setor
pecuário.
A resposta a esse
problema, porém, divide pesquisadores, ativistas e associações de produtores em
uma guerra de argumentos e números. Para alguns, a solução passa por uma
redução do consumo "excessivo", como defendem especialistas da
Chatham House –que mencionam recomendações como as do Fundo Mundial para
Pesquisas de Câncer, de que a ingestão de carne vermelha deve ser limitada a
uma média de 70 gramas por dia (cerca de 500 gramas por semana).
Escolas municipais de
cidades como São Paulo e Curitiba, por exemplo, há alguns anos vêm aderindo à
campanha Segunda-feira sem Carne, que se propõe a "conscientizar as
pessoas sobre os impactos que o uso de produtos de origem animal para
alimentação tem sobre os animais, a sociedade, a saúde humana e o
planeta". A campanha, apoiada no Brasil pela Sociedade Vegetariana
Brasileira (SVB) existe em 35 países e no Reino Unido, é apadrinhada pelo
ex-beatle Paul McCartney.
Para outros
especialistas e associações setoriais, porém, a chave para resolver a questão é
melhorar a produtividade da pecuária e incorporar ao setor tecnologias capazes
de reduzir suas emissões de poluentes.
Péricles Salazar,
presidente Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), por exemplo,
considera as propostas de redução do consumo "absurdas" e "sem
base científica sólida".
Rodrigo Justos de
Brito, Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil (CNA), considera razoável que haja uma conscientização sobre
o consumo excessivo na esfera individual –"porque, afinal, tudo que é
feito em excesso pode fazer mal".
Ele não acredita,
porém, que essa seja uma resposta para a questão do impacto ambiental do setor.
"Só com as melhorias no sistema produtivo da pecuária calculamos que
podemos reduzir suas emissões (de gases de efeito estufa) para um terço, o que
significa que conseguiríamos criar três vezes mais animais sem que houvesse um
aumento do impacto ambiental nesse sentido", diz Brito.
Entre essas melhorias
técnicas estariam a recuperação das pastagens (que aumenta o carbono
"capturado" pela vegetação e permite uma produção maior em uma área
menor), a redução do tempo necessário para o abate dos animais e a adoção de
uma nutrição mais adequada, para reduzir a emissão de gás metano.
"Para entender o
impacto potencial de melhorias como essas, basta lembrar que se estivéssemos
criando boi com as mesmas técnicas e produtividade de 50 anos atrás, a Amazônia
provavelmente não existiria mais", afirma Brito.
Para o engenheiro
agrônomo Sérgio De Zen, da USP, também é necessário aprimorar os sistemas de
medição para que se possa entender como a emissão de gases do efeito de estufa
pode variar de acordo com especificidades de diferentes sistemas de produção
pecuária.
"O próprio estudo
da FAO (que mostra as emissões do setor como equivalentes às dos veículos), por
exemplo, não considera o efeito positivo da captura de gás carbônico pela
vegetação, no caso de gado criado no pasto", diz ele.
Para Zen, mesmo que o
consumo seja de fato reduzido nos países desenvolvidos em resposta a campanhas
e estudos como o da Chatham House, existe um número grande de pessoas na Ásia e
outras regiões que hoje comem menos carne que o recomendado –e devem passar a
ter acesso ao produto, conforme seus países cresçam e se desenvolvam.
"É razoável
esperar que o consumo do continue a crescer em função disso, por isso acho que
a chave para reduzir as emissões do setor está mesmo na produção", opina.
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