Pesquisa aponta que
pacientes que chegam ao SUS para tratar a doença, geralmente, estão em estágio
avançado.
A empregada doméstica Jandira Florencia, 57 anos, fazia
todos os anos exames preventivos. A mãe e a tia morreram de câncer de
mama e o receio de ver a história se repetir garantia um acompanhamento
cuidadoso da saúde. Durante a Campanha do Outubro Rosa do ano passado,
descobriu um nódulo na mama.
“O médico que me atendeu, pediu novos exames que
pudessem comprovar o quadro de saúde, cheguei a pagar uma consulta particular
por conta da demora no atendimento, mas não tive como bancar exames, pois o
preço mais barato era R$ 1.400”, diz. Um ano depois, Jandira ainda não
conseguiu fechar o ciclo de atendimento que garanta o início do tratamento.
O caso de Jandira não é único. De acordo com uma pesquisa
realizada pelo Grupo Brasileiro do Estudo de Câncer - feita em 28 centros
brasileiros - os pacientes que chegam ao SUS para tratar a doença, geralmente,
estão em estágio avançado, quando o câncer já comprometeu os gânglios,
reduzindo as chances de cura.
A dificuldade reside na marcação das consultas e no
processo de tratamento, que opta por terapias convencionais que chegam muito
tarde para o paciente. No Sistema Único - além da demora para conseguir
consultas e exames - os tratamentos de ponta, capazes de ampliar a
sobrevida cinco vezes mais que a radioterapia comum, ainda não estão
disponíveis na rede pública.
A diretora do Instituto Ética da AMO – dedicado à
pesquisa de medicamentos de ponta aplicados ao tratamento de câncer– a
oncologista Vanessa Dybal apontou que a incidência do câncer deve duplicar no
mundo em 2020. “Mais da metade dos casos de câncer de mama é esperada em países
em desenvolvimento, como o Brasil. Porém aqui, a mortalidade aumenta, na
contramão do resto do mundo”, enfatiza. Além disso, há uma distribuição
irregular de centros de tratamento no país, que geram fluxos migratórios de
pacientes de regiões onde não há Centros de Serviço de Alta Complexidade em
Oncologia (Unacons).
“Uma paciente com câncer de mama metastático, no sistema
privado, vive por até cinco anos; já uma atendida pelo SUS vive um ano e meio,
em média. Isso é um dilema para o médico. Como ele enfrenta essas duas
realidades? Uma alternativa, além da incorporação de tecnologias no sistema
público, é melhorar o processo de pesquisa clínica no país”, denuncia a médica.
Prioridade legal.
Vale salientar que a mortalidade por câncer de mama no
Brasil é proporcionalmente maior do que em países desenvolvidos. De acordo com
o Inca, 2.560 novos casos de câncer de mama são esperados na Bahia apenas em
2015. No caso de Jandira, a família e os patrões estão tentando
viabilizar o atendimento. A mesma sorte não é dada a mulheres e homens que
necessitam de atendimento breve para interromper o avanço da doença. “Não quero
morrer da mesma forma que a minha mãe morreu há 20 anos”, completa.
Segundo o assessor de relações governamentais da
Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama
(Femama), Thiago Turbay, na lei, o câncer é prioridade nas questões de saúde no
Brasil desde 1999. No entanto, somente 2% do orçamento da Saúde são destinados
à oncologia. Em 2015, o orçamento federal da Saúde é de R$ 103 bilhões.
“Temos recursos, mas são mal aplicados”, ressalta,
explicando que, apesar do SUS incorporar procedimentos a nível federal a partir
da indicação do Ministério da Saúde, os estados têm autonomia para
decidir sobre o tratamentos ofertado na rede pública. “É permitido que eles
busquem fontes de financiamento e parcerias para que novos medicamentos sejam
ofertados na rede local, desde que estes apresentem evidências científicas para
tanto”, esclarece Turbay, alertando que o coeficiente de compra governamental,
através do qual alguns medicamentos são isentos de tributos, traz uma redução
de 40% do valor original.
“Em muitos casos, fornecer o acesso a todos é mais
vantajoso para o governo estadual, do que arcar com os custos de ações
judiciais de pacientes que buscam acesso a tratamentos não inclusos na rede
pública”, explica. De 2012 a 2014, os gastos de judicialização cresceram
129% no país. “Hoje cerca de 30% das ações judiciais tramitando no Tribunal de
Justiça da Bahia estão relacionadas à saúde e destas, 5% são casos de câncer de
mama”, informa o defensor público federal Átila Dias.
Avanços e retrocessos.
A presidente do Núcleo Assistencial para Pessoas com
Câncer (Naspec), Romilza Medrado, ressalta que pessoas estão morrendo na Bahia
e no Brasil e que não é de morte natural, mas uma morte provocada pelo descaso
com as políticas públicas de saúde que contemplem o paciente com câncer. “Não
quero chegar no próximo ano e comemorar um Outubro Rosa e ver o coração negro
de tantas famílias que perdem os seus familiares”, completa.
Ela diz que embora haja uma mobilização social em torno
da causa, é importante sair do discurso e passar para a prática por meio de
ações efetivas, que descentralizem o atendimento na capital e que possibilitem
que os equipamentos e os profissionais mais capacitados estejam mobilizados
para o atendimento do paciente oncológico.
Para ela, o acesso aos medicamentos de ponta também é de
fundamental importância para garantir a sobrevivência do paciente oncológico,
especialmente aqueles que estão com metástase ou possuem quadros que não
respondem aos tratamentos convencionais. Com uma postura parecida, a
oncologista Vanessa Dybal destaca a necessidade de que tratamentos de ponta,
resultado do desenvolvimento da engenharia genética e biológica, como o
realizado com o Trastuzumab Emtansine/TDM1), conhecido como “Cavalo de Troia”,
que representa uma nova esperança para as pacientes com câncer de mama
avançado (metastático) HER 2.
A nova droga, uma associação de um anticorpo carregado
com um quimioterápico, funciona ao ser injetada na circulação sanguínea e
fixar-se na célula alvo para entrar no tumor liberando a quimioterapia dentro
dele. Dessa característica específica inovadora da atuação da droga na célula
cancerígena é que vem a referência ao nome “Cavalo de Tróia”.
A médica acredita que o mecanismo de internalizar o
quimioterápico para a célula, através de um veículo portador que é o anticorpo,
pode mudar o modelo dos tratamentos atuais, permitindo que novas drogas também
sejam utilizadas com esse tipo de abordagem de liberação de quimioterapia. O
TDM1 é fruto da linha de pesquisa de tratamento do câncer de mama HER 2
intitulada “Emília”, chancelada pela Associação Americana de Oncologia.
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