Vermelho intenso e de um azedume que, nos primeiros
goles, provoca caretas de desgosto — inocência achar que a planta ficou
também conhecida como vinagreira à toa, né? O chá de hibisco se tornou
onipresente. Está na garrafinha dos saudáveis, na xícara da musa fitness,
nos sucos dos lugares moderninhos, nos empórios naturebas, nas capas de
revista, na home dos sites, talvez no bule da sua casa… Opa, está
aqui também! E vou lhe dizer que funciona. Sim, cientificamente testado e
aprovado. Só não sei se para o que você queria… Mas daí já é querer
demais.
Há dois tipos mais comuns de hibisco. O rosa-sinensis
é aquele que enfeita canteiros de jardins, a flor símbolo do Havaí e com uma
toxicidade proporcional àquela belezura toda. Leva a má reputação de bagunçar
com a fertilidade feminina. Mas relaxe, se por acaso já ouviu essa história. No
Brasil, provavelmente você só irá se deparar com o chá do Hibiscus
sabdariffa, que tem um cálice cor de vinho, a estrutura que protegeria a
flor, vendido seco em tudo o quanto é canto, pronto para cair na fervura da
água. Portanto, até aqui não tem erro. Dele, só se pode falar bem.
Não dá para reclamar nem do gosto. O sabor
avinagrado vem de um conjunto ímpar de polifenóis, incluindo boas porções
de ácido málico, substância que já mostrou ter uma ação positiva no
fígado. O mesmo ácido málico que deu às maçãs a antiga fama de manter os
médicos distantes. E ele aguenta firme o calor da chaleira, assim como o
ácido cítrico, outro que marca presença no hibisco.
A florzinha tem muito mais. Só não tem…Bem,
só não tem nada que chape a barriga. Se tivesse, talvez nem devesse fazer
parte do cardápio e, sim, da farmácia. É tênue a linha que separa o chá
consumido como simples bebida e o de efeito medicinal. Eis a primeira lição
que todo o auê em torno hibisco dá a oportunidade de explicar.
Para mergulhar a fundo, procurei quem sabe como
poucos o que acontece quando uma planta medicinal se intromete na dieta. Ora,
Vanderlí Marchiori é nutricionista atuante há 30 anos, formada pelo
Centro Universitário São Camilo, em São Paulo. Só que, em 1998, foi estudar
Medicina complementar no Simmons College, nos Estados Unidos. Chegou a ter aulas
sobre o poder das plantas com o célebre médico indiano Deepak Chopra. E hoje é
presidente da Associação Paulista de Fitoterapia. Quem melhor para falar do chá
do momento?
Vale esclarecer: desde 2007, os nutricionistas
podem prescrever plantas medicinais. Mas aguarde: maio logo vêm
aí. A partir desse mês, esses profissionais terão de fazer curso de
especialização em fitoterapia para sair indicando extratos, cápsulas de
ervas e afins. Exija isso, porque ajudará a desfazer muitos erros por
aí.
O primeiro erro, no caso do hibisco, é esperar que
ele faça alguém emagrecer, queimando a gordura do barriga. Ao tomá-lo,
você pode até afinar, mas só se for de tanto perder líquido. Poxa, como
diurético, esse chá é imbatível! Aliás, por isso mesmo, o que
não falta é pesquisa sobre seus efeitos na pressão alta. Além de
levar seus adeptos a urinar mais, o hibisco inibe a síntese de uma substância
chamada angiotensina. O nome fala a que veio: tensionar os vasos. Portanto, sem
tanta angiotensina nem líquido acumulado, as artérias ficam mais relaxadas
e a pressão cai cerca de meia hora depois da ingestão. Ótimo para os
hipertensos.
Outra qualidade do tal do chá: seu potencial
antioxidante. Vale o
exemplo da hibiscina, que lhe dá o tom rubro. Há até trabalhos apontando que
esse componente evitaria tumores, principalmente no figado. Isso, porém,
ainda precisa ser bem mais investigado.
Fato incontestável é que o hibisco possui um
efeito antiinflamatório pra ninguém botar defeito. Por causa dele, observa-se
uma redução do colesterol e dos triglicérides entre os consumidores fiéis.
Daí que o chazinho azedo age mesmo é nas consequências de uma barriga
saliente, sem derretê-la em si. Ora, reconheça: para a saúde, já é
uma ajuda e tanto.
Todos os benefícios, porém, vão para o ralo por
causa de erros banais. Um deles: o chá dura 24 horas, desde que você não
invente de colocá-lo em garrafas de plástico ou metal, o que mais a gente vê
por aí. Ou todo seu princípio ativo vai para o brejo. O certo é mantê-lo em
recipiente de vidro ou cerâmica. No caso da panela, tudo bem se
ela for de alumínio. Segundo Vanderlí Marchiori, não ficará ali tempo
suficiente para perdas e danos.
Pior é quando você erra na mão. Nada de jogar um
enorme punhado de flores vermelhas na água fervente. Sim, espere
levantar a fervura e, depois, deixe ali borbulhando por três minutos. Só
que medida exata para 1 litro de chá é apenas 1 colher de sopa
de hibisco. Se colocar mais do que isso na intenção de caprichar,
o excesso de fitoquímicos se tornará um tiro pela culatra que acertará em
cheio o fígado, causando pouco a pouco lesões.
O mesmo pode acontecer quando a pessoa resolve
beber todas as receitas da moda de uma só vez: por exemplo, dar uns belos goles
de suco verde, além de matar a sede com o chá de hibisco. Outra ameaça: os
suchás, misturando frutas com o chá, especialmente aquelas avermelhadas,
lotadas dos mesmos pigmentos do hibisco. Segundo Vanderlí
Marchiori, o fígado de novo não vai dar conta de tanto
antioxidante aterrissando no organismo de uma só vez. No mínimo, você perde
tempo, dinheiro e esperanças.
O chá também interage com medicamentos — o comprimido de
paracetamol contra dores de cabeça é um deles. Cuidado!
Enrascada pra valer é jogar no bule um mix de
ervas sem qualquer orientação especializada. A cavalinha, por exemplo. Esta é mais uma com
efeito diurético. A soma às vezes resulta em tonturas e desmaios. O que
acontece também quando o chá de hibisco, mesmo puro, é tomado a todo
instante por quem já está magro e cisma com aquele pneuzinho bandido, teimoso e
sem-vergonha. Geralmente, essa criatura já ingere poucas calorias e, aí, já
viu: nesse contexto, o chazinho costuma causar uma queda brusca de açúcar e de
pressão. Sem exorcizar o maldito pneu, fique claro.
Funciona para um monte de outras coisas. Por isso
mesmo não é brinquedo. Quer tomar de vez em quando porque gosta da bebida ácida, ótimo. Se
espera efeito medicinal, a história é outra. Busque quem lhe oriente.
Comida e bebida não são remédio. E remédio não pode ser engolido como modismo.
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