Os cientistas estão
desenvolvendo há quase meio século uma pílula anticoncepcional masculina.
Mas, apesar da notícia
animadora, a venda sem receita médica do contraceptivo não estará disponível
tão cedo.
A falta de
financiamento e o suposto desinteresse dos homens explicam por que a pílula
ainda não foi produzida em grande escala. Em vez disso, ainda se espera de uma
maneira geral que as mulheres assumam a responsabilidade de não engravidar.
Pesquisas sugerem, no
entanto, que muitos homens tomariam a pílula anticoncepcional se ela estivesse
disponível.
Um terço dos britânicos
sexualmente ativos diz que cogitaria usar um método contraceptivo hormonal,
como a pílula ou implante. Trata-se da mesma porcentagem de mulheres britânicas
que tomam atualmente o medicamento.
Oito em cada dez
pessoas entrevistadas na pesquisa afirmam que a contracepção deveria ser uma
responsabilidade compartilhada.
Enquanto isso, 77% dos
americanos sexualmente ativos com idade entre 18 e 44 anos estão "muito
ou de alguma forma" interessados em experimentar um contraceptivo
masculino, que não seja camisinha ou vasectomia.
Será então que a aceitação
do público, juntamente com o relaxamento dos papéis de gênero, poderia
transformar a pílula masculina em realidade?
Que
contraceptivo é mais comum no mundo?
Pouco mais de um terço
dos casais em idade reprodutiva ao redor do mundo não usam nenhum método
contraceptivo, de acordo com um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU).
Mas quando usam, os
contraceptivos femininos são de longe a opção mais comum.
Cerca de 19% das
mulheres casadas ou em relacionamentos estáveis recorrem à esterilização, 14%
ao DIU, 9% à pílula e 5% a injeções.
Contraceptivos que
envolvem diretamente os homens são muito menos comuns; 8% usam camisinha e
apenas 2% recorrem à vasectomia.
Mas
nem sempre foi assim.
Antes da pílula, os
homens tinham que participar da contracepção, usando, por exemplo, camisinha.
Quando a pílula
feminina foi produzida em grande escala pela primeira vez no início dos anos
1960, as mulheres puderam controlar sua fertilidade sem o envolvimento ou
conhecimento de seu parceiro sexual.
Hoje, mais de 100 milhões
de mulheres tomam pílula é a forma mais comum de contracepção na Europa,
Austrália e Nova Zelândia. É o segundo método anticoncepcional mais popular na
África, América Latina e América do Norte, e o terceiro mais popular na Ásia.
Ao longo das décadas, a
pílula foi libertadora para muitas mulheres, permitindo que adiassem ou
evitassem a maternidade em prol de outras oportunidades, como educação superior
e emprego.
Essa é uma das razões
pelas quais a pílula é frequentemente vista como um marco importante para os
direitos das mulheres e uma das maiores invenções do século 20.
Mas, à medida que a
sociedade avança em direção a uma maior igualdade de gênero, é surpreendente
que as mulheres continuem tendo de arcar com os encargos emocionais, sociais e financeiros
da contracepção, sem mencionar os efeitos colaterais.
Por
que ainda não existe uma pílula masculina?
Levou apenas uma década
para a pílula feminina estar amplamente disponível após ser criada.
Então, por que está
demorando tanto para a pílula masculina, que foi testada pela primeira vez na
década de 1970, ser comercializada?
Alguns cientistas
afirmam que a ciência do desenvolvimento de anticoncepcionais masculinos é mais
complicada que a de contraceptivos femininos.
A pílula masculina
funciona interrompendo a produção de esperma, mas o nível de hormônio
necessário para fazer isso pode causar efeitos colaterais.
Também
há fatores sociais e econômicos em jogo.
O campo da ciência e da
medicina reprodutiva se concentrou principalmente no corpo das mulheres,
negligenciando os homens. Por exemplo, praticamente todo mundo sabe o que um
ginecologista faz, mas relativamente pouca gente já ouviu falar do
andrologista, médico especializado no sistema reprodutor masculino.
A pesquisa sobre a
pílula anticoncepcional masculina não só começou depois da feminina, como
também foi atrasada pela falta de financiamento.
Isso acontece em parte
porque as empresas farmacêuticas, órgãos reguladores e os próprios homens
parecem ser menos tolerantes aos possíveis efeitos colaterais.
Embora certos sintomas sejam
considerados aceitáveis no caso dos contraceptivos femininos, uma vez que são
comparados com o risco de uma gravidez, eles são frequentemente vistos como
motivo para não usar contraceptivos masculinos, já que a base de comparação são
jovens saudáveis.
Além disso, os efeitos
colaterais comuns da pílula feminina como ganho de peso, alterações de humor e
redução da libido são vistos com frequência como sinônimo de perda da
virilidade para homens.
As pesquisas sobre a
"clean sheets pill" (pílula dos lençóis limpos), contraceptivo
masculino que impede a liberação de sêmen durante o orgasmo, estagnaram por
razões semelhantes uma vez que a ejaculação é vista como um componente
importante da sexualidade masculina.
Até que ponto as
mulheres vão confiar nos homens em relação à contracepção é outro fator que
costuma ser mencionado como obstáculo.
Pesquisas feitas há
várias décadas indicam, no entanto, que mulheres em relacionamentos duradouros
tendem a confiar em seus parceiros homens mas relutam quando se trata de sexo
casual.
Responsabilidade
da mulher?
Como a contracepção é
vista como "responsabilidade das mulheres", existe a suposição de que
os homens não vão usar métodos anticoncepcionais.
No entanto, os papéis
de gênero estão mudando, e os homens tendem hoje em dia a compartilhar mais as
responsabilidades domésticas e de criação dos filhos.
Esse reequilíbrio pode
se estender à contracepção estudos indicam que homens mais jovens são mais
propensos a encarar isso como uma responsabilidade compartilhada.
Certos grupos de
homens, especialmente aqueles que são mais instruídos, abastados e dão menos
importância aos papéis tradicionais de gênero, têm mais chance de apoiar e até
mesmo ansiar ? pela contracepção masculina.
Embora seja bem-vinda,
a disponibilidade de uma pílula masculina não garantirá seu uso, um problema
que também pode ser observado nas taxas de esterilização. Embora a vasectomia
masculina tenha sido criada há quase 200 anos, a esterilização feminina é 10 vezes
mais comum em todo o mundo, apesar de ser menos eficaz, mais cara e mais
propensa a complicações.
Uma maior igualdade de
gênero é o primeiro passo necessário para acabar com as barreiras sociais e
econômicas ao desenvolvimento de contraceptivos masculinos.
Estamos esperando há 50
anos por uma pílula masculina não podemos esperar por mais 50.
BBC 100 Women.
*Este
artigo foi encomendado pela BBC a uma especialista que trabalha para uma
organização externa.
Lisa Campo-Engelstein,
uma das 100
mulheres do BBC 100 Women 2019, é uma bioeticista
especializada em ética reprodutiva. É professora associada do Alden March
Bioethics Institute e do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Albany
Medical College, em Nova York.
O BBC 100 Women divulga
todos os anos uma lista de cem mulheres inspiradoras e influentes de todo o
mundo.
Neste ano, o mote da
nomeação foi: Como seria o futuro se ele fosse comandado por mulheres?
De uma arquiteta que
está planejando reconstruir a Síria à gerente de um projeto da Nasa para
explorar Marte, muitas das mulheres incluídas na lista estão testando os
limites em seus campos de atuação.
Outras, como uma
política "fantasma" que desafia a máfia e jogadoras de futebol
combatendo a misoginia, estão usando suas experiências de vida extraordinárias
para abrir o caminho para outras e outros.
Duas brasileiras
estão entre as eleitas deste ano: a filósofa Djamila
Ribeiro e a deputada federal Tábata Amaral (PDT-SP).
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