FONTE: MONIQUE OLIVEIRA, DE SÃO PAULO (www1.folha.uol.com.br).
O Estado de Nova York
tornou-se, no início deste mês, o 21º nos Estados Unidos a permitir o consumo
da maconha para fins medicinais. Também em janeiro, a França aprovou o Sativex,
medicamento à base de seu princípio ativo para tratar sintomas da esclerose
múltipla.
Antes, o Estado do
Colorado, nos EUA, liberou sem restrições o consumo da droga. Sem falar no
Uruguai que, no fim de 2013, permitiu que qualquer cidadão maior de 18 anos
cultive a maconha para consumo pessoal.
Loucura? Não é o que
vozes históricas a favor da liberação da erva pensam. E uma das que mais
fizeram coro não só para o uso médico da Cannabis mas para o fim de qualquer
lei proibitiva foi o psiquiatra Lester Grinspoon, 86, autor de um dos primeiros
artigos a desmistificar os males da maconha, "Marihuana", publicado
em dezembro de 1969, na revista "Scientific American". No texto, ele
condena a proibição da droga.
Grinspoon também é
autor de duas obras fundamentais para qualquer um que se interessa pelo tema,
"Marihuana Reconsidered", cuja primeira edição é de 1971, e
"Marihuana: The Forbidden Medicine", publicado originalmente em 1993.
Professor-assistente
emérito do departamento de psiquiatria da Escola Médica de Harvard e membro do
conselho administrativo da Organização para Reforma das Leis da Maconha nos
Estados Unidos, o médico está longe de abandonar seu empenho para a aprovação
da erva.
Ele ainda grita para
que descobertas feitas nos 1960 sejam conhecidas -como o fato de, segundo ele,
a Cannabis ser o remédio menos tóxico já registrado na literatura médica com
potencial terapêutico para uma infinidade de doenças.
Segundo ele, quando
cientistas começarem a testar diferentes formulações dos subprodutos da
maconha, novas aplicações devem surgir. "Ela será a maravilha do nosso
tempo, como foi a penicilina no passado", diz.
Grinspoon
falou à Folha por Skype.
Folha
-
Nos 21 Estados americanos onde o uso medicinal da maconha é permitido, os pacientes de fato têm acesso à droga?
Lester
Grinspoon - Depende. Na Califórnia, onde a erva é
aprovada para esse fim desde 1996, ela pode ser prescrita até para dor nas
costas. Mas a maioria dos Estados é muito restritiva. Em Nova Jersey, essa
deliberação ainda não saiu do papel.
Por
que isso acontece?
Pelo pequeno número de
enfermidades para as quais ela é indicada e pela ausência de prescrição.
Minha posição é que o
uso medicinal da maconha só será colocado em prática com a aprovação
irrestrita. Ou seja, se qualquer um acima de 21 anos puder usar.
Nenhum Estado colocaria
entre suas indicações, por exemplo, o tratamento da tensão pré-menstrual -como
bem fazia a rainha Vitória, na Inglaterra, no século 19- ou de soluços. Eu
descobri sozinho que a maconha alivia náuseas.
Historicamente,
a maconha já foi usada para disenteria, alívio da dor de cabeça, da febre, como
antidepressivo, anticonvulsivante e para crises de asma e enxaqueca. Essas
aplicações se demonstraram eficazes?
Muitas delas. A maconha
é o tratamento por excelência da dor de cabeça.
Até
para asma? Um dos malefícios já registrados da maconha é justamente sobre o
aparelho respiratório.
A asma tem uma
dualidade porque, se [a maconha for] fumada, irrita a traqueia e isso
obviamente não é interessante para um asmático.
Mas, uma vez no
organismo, ela não tem efeito deletério sobre o pulmão -pelo contrário, atua
como um relaxante muscular. A traqueia tem esses músculos pequenos que, quando
relaxados, ficam mais abertos e facilitam a respiração.
O
senhor confirma estudos que relacionaram a maconha com a esquizofrenia?
A esquizofrenia tem um
forte componente genético e conta com prevalência de apenas 1% da população
mundial. É impossível que seja causada pela maconha.
A
droga pode ser usada por pessoas com histórico de doença psiquiátrica?
A erva tem ação
antidepressiva e pode ser uma aliada na depressão moderada, além de eficaz no
transtorno bipolar na fase de mania. Outra aplicação seria na versão adulta do
deficit de atenção.
Mas não posso afirmar
que todos responderiam à erva. Tivemos muitos obstáculos para a realização de
estudos clínicos. O caminho é longo para romper com esse atraso.
A
maconha causa danos à memória?
Conheço pessoas que
usam a erva há muitos anos. Eu mesmo uso há 40 anos. Posso dizer que se
causasse problemas de memória a essa altura eu já saberia.
De qualquer forma, a
literatura médica e a experiência mostram que essa perda de memória é
temporária, no auge do "barato".
E eu a classificaria
como uma distração. Esse é mito mais famoso sobre o seu uso. Então, a resposta
para a sua pergunta é não.
Como
começou a usar? E por qual motivo?
Eu era um conservador.
Em 1967, era comum o uso da droga em festas e eu era o primeiro a dizer:
"Não, isso faz mal à saúde". Comecei a questionar as minhas afirmações
sobre a droga. Percebi que eu, um médico, assim como todas as outras pessoas,
estava acreditando cegamente no que era dito sem o necessário fundamento.
Primeiro eu fui à
biblioteca de Harvard e comecei a tentar encontrar qual era a base científica
para a proibição da maconha. Fiquei estupefato, tive epifanias ao ler todos os
estudos: "Meu Deus, sofri uma lavagem cerebral, assim como todas as outras
pessoas nesse país".
Em 1973, comecei a
fumar, para não ser criticado, já que era um defensor. Não parei desde então.
O
senhor tem controle sobre a dose que usa? Chegou a estabelecer alguma
frequência?
Uso à noite, quando é
hora de relaxar. Mas para algumas pessoas e alguns casos eu aconselho dar um
trago e não dar outro em seguida -esperar dois minutos e sentir o efeito. Para
aliviar a dor de cabeça, por exemplo, eu preciso repetir esse procedimento
cinco vezes.
No
livro "Marihuana: The Forbidden Medicine", há uma seção que
estabelece uma relação entre o uso de maconha e o envelhecimento. A erva o
ajuda a lidar melhor com o avanço da idade?
Eu tenho gastroparesia
[demora para passagem do alimento pelo estômago] por complicações da diabetes,
e isso me dá episódios terríveis de náusea. Então, eu carrego um pouco da erva
no meu bolso porque, se num restaurante eu tenho uma crise, eu uso [mastigo] e
consigo relaxar e continuar a comer.
O efeito antidepressivo
da maconha também ajuda, além de sua ação analgésica e anti-inflamatória.
Há
diferentes moléculas na Cannabis com diferentes funções? Seria possível isolá-las
para que umas fossem mais ou menos potentes que outras e, com isso, sofisticar
sua composição química para diminuir efeitos psicoativos ou fabricar diferentes
medicamentos?
As moléculas da
Cannabis são chamadas de canabinoides. O tetrahidrocanabinol (THC), o mais
estudado, é basicamente responsável pelo "barato". Agora, nos últimos
anos, estamos estudando o canabidiol (CBD), que não dá barato e, na verdade,
atua contra ele, além de ter um poderoso efeito terapêutico.
Já
temos medicamentos à base de CBD?
Há uma erva, chamada
Charlotte's Web, com grandes quantidades de CBD. Ela é muito útil para o
tratamento da síndrome de Dravet, uma forma de epilepsia comum na infância
causadora de centenas de convulsões por dia. O cérebro dessas crianças nem se
desenvolve. Quando administrado o CBD, o número de convulsões passa de 300
diárias para cerca de três. Isso é incrível e ainda não há nenhum efeito
psicoativo, pelas baixas dosagens de THC.
Na
semana passada, foi aprovado na França o Sativex, indicado para o alívio de
sintomas da esclerose múltipla. Também o dronabinol é um medicamento clássico
para o alívio dos efeitos colaterais da quimioterapia. Acredita que esses
medicamentos são mais eficazes que a erva?
O Sativex não é um bom
medicamento. Sua composição química é de metade THC e metade CBD. Então não tem
muita sofisticação do ponto de vista da proporção entre as moléculas. Mas o
principal problema é o fato de ser administrado em pequenas gotículas -o que
demora para fazer efeito. E se você está com sintomas e espasmos agudos,
certamente não quer que demore tanto pra passar.
O dronabinol é puro
THC. Não possui os demais canabinoides presentes na maconha igualmente
terapêuticos. A erva, assim, ainda é o melhor remédio.
A
maconha tem potencial para oferecer benefícios para mais doenças?
Quando a ciência
começar a manipular frações moleculares e mexer com o CBD, certamente teremos
mais surpresas quanto aos benefícios da Cannabis. Ela será a maravilha do nosso
tempo, como foi a penicilina no passado.
Não
tem nenhuma restrição quanto ao uso da erva?
Em jovens com o cérebro
em formação. Não há estudos que analisem os efeitos da droga em menores de 22
anos. No mais, o uso é livre para quem gosta.
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