FONTE: iG São Paulo, TRIBUNA DA BAHIA.
Nascida no corpo de um homem, a
modelo carioca Felipa Tavares foi percebendo desde a infância que a sua
identidade era feminina. Hoje, aos 27 anos, ela tem a convicção de que é uma mulher,
inclusive se veste e se porta como tal. No entanto, o seu RG ainda contraria o
que ela sente, a identificando como uma pessoa do sexo masculino. Mas esta
incoerência está prestes a ser corrigida. Na próxima sexta feira (31), Felipa
vai ter finalmente os seus documentos alterados.
Assim como Felipa, diversas
transexuais brasileiras enfrentam o demorado processo jurídico para trocar o
nome de batismo pelo outro que elas escolheram. Além representar reconhecimento
de uma identidade própria, o documento alterado também evita a série de
constrangimentos dolorosos citados pela modelo.
“Mudar o nome tem um peso enorme.
Estou cansada de chegar aos lugares e começar a ser desrespeitada no minuto
seguinte depois que eu apresento o meu RG. Uma vez no banco, o gerente pegou
meu documento, chamou os colegas e começou a dar risada apontando para mim”,
desabafa Felipa, relatando apenas um dos inúmeros constrangimentos que já
passou.
Embora tenha esse desejo, Felipa
ainda não conseguiu fazer a mudança de sexo. Mas a alteração nos documentos lhe
dá mais ânimo para enfrentar esta etapa fundamental no seu processo de mudança
de identidade.
A advogada Luisa Helena Stern, 47
anos, já venceu tanto o processo jurídico quanto o médico. “Ter o seu nome no
RG é uma grande conquista. Tirar a certidão de nascimento com o nome novo,
aquele que te representa, é como nascer de novo, só que desta vez, do jeito
certo”, constata Luisa, que vive em Porto Alegre.
Luisa relata que o processo de
mudança do RG acelerou quando ela fez a mudança de sexo. “Quando entrei na justiça,
eu ainda não havia feito a cirurgia e notei que o juiz protelou ao máximo a
alteração no documento para que ambas as coisas acontecessem juntas”, observa a
advogada, que realizou as duas modificações em 2012.
Acompanhando atualmente oito
casos de transexuais que querem mudar de nome, o advogado Eduardo Mazzilli
conta que a duração do processo jurídico varia muito nas diferentes regiões do
Brasil. Em São Paulo, todo o trâmite costuma levar em torno de quatro meses,
mas em outro estados, o tempo total pode ser dez vezes maior, chegando a quatro
anos.
“Há relatos de casos de
transexuais que não conseguiram lidar com o preconceito e se mataram durante o
processo da troca de sexo e até do nome”, revela Mazzilli.
Apesar da demora, o advogado diz
que juridicamente o processo é simples, o que acaba prolongando o tempo é a
quantidade de documentos exigidos. “É necessário apresentar desde RG e CPF até
documentos relativos a ações penais, assim como o documento de alistamento
militar. Algo que muitas delas não têm porque não tiveram coragem de se
alistar”, aponta Mazzilli. Felipa, por exemplo, teve que passar por nove
cartórios para conseguir todos os papéis necessários para dar entrada nos
trâmites legais.
Para mudar o RG, é preciso demonstrar para o juiz que a
transexual usa o nome feminino no dia a dia. Isso pode ser comprovado com
perfis em redes sociais e até documentos que comprovam a participação em
palestras”, exemplifica o advogado. “A mudança de sexo é mais complicada, exige
laudos médicos e a realização da cirurgia em si, que já é muito difícil”
completa.
Numa tentativa de encurtar o
tempo da burocracia, a Centro de Referencia em Direitos Humanos do Pará criou a
Carteira de Nome Social, também conhecido como Carteira Trans, documento para
transexuais e travestis que é válido em todo o estado, nos ambientes estatais e
privados. Não é necessário de medida judicial para requerê-lo, basta apenas que
a (o) interessada (o) compareça ao órgão paraense.
“Este documento foi desenvolvido
no Rio Grande do Sul, vimos o projeto e aprimoramos. Lá, ele deve ser
apresentado junto ao RG, o que acaba não ajudando muito. No Pará, conseguimos
contemplar todos os dados como RG e CPF, permitindo a identificação civil sem
ferir a identificação social, que é como a pessoa se percebe”, avalia Bruna
Lorrane de Andrade, 25, transexual que coordena o centro de referência.
Além de preencher a lacuna dos
poderes judiciário e legislativo em relação aos direitos dos transexuais, o
documento paraense pretende reduzir problemas causados por esse não
reconhecimento da identidade, como é o caso das trans que abandonam os estudos
por conta dos constrangimentos sofridos na escola. “Esperamos que isso acabe
com o estigma de que o transgênero é marginalizado, que vive sempre de
prostituição”, projeta Bruna.
Além do Pará e do Rio Grande do
Sul, o Rio de Janeiro também fornece carteiras de nome social para transexuais.
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