FONTE: Helena Bertho, do UOL, em São Paulo (http://estilo.uol.com.br).
Quando a rotina é cada vez mais corrida e as horas
de sono
têm se tornado algo extremamente precioso e valorizado, se ver na situação de transar,
mesmo sem estar com vontade, apenas para satisfazer o parceiro ou parceira é
algo cada vez mais comum.
"Apesar de não existirem muitas pesquisas
sobre isso, eu observo no meu consultório que mais da metade dos casais de
longa data fazem sexo por obrigação", diz a sexóloga e terapeuta de casal
Lelah Monteiro.
No entanto, a falta de vontade que leva a isso pode
não ser necessariamente um sintoma de que o relacionamento vai mal: muitos
outros fatores podem estar por trás do que leva as pessoas a transar sem
vontade. "Às vezes o cansaço é maior que a vontade. É falta de
disponibilidade", defende a socióloga Mirian Goldenberg como um dos
principais motivos por trás do tal sexo por obrigação.
Para elas, transar pode
significar dormir menos.
Esse é um problema que atinge muito mais as
mulheres, devido ao acumulo de papéis e tarefas. Na pesquisa Mosaico Brasil
2.0, realizada pelo Prosex em 2016 e que analisou os hábitos sexuais dos
brasileiros, foi levantado que para mulheres a qualidade do sono vem antes da
vida sexual. Para os homens, a boa vida sexual seria quase tão importante
quanto comer.
"Eu sou esposa, mãe, profissional, linda e
magra. Nós não temos a escolha de não ser, nós queremos ser tudo isso. Existe
uma pressão social enorme para as mulheres de cumprir todos os antigos e novos
papéis", diz Mirian Goldenberg. "E como você vai conseguir curtir o
prazer do sexo, com tudo isso te consumindo? É muita coisa", completa a
pesquisadora, que defende
que para muitas mulheres hoje o sexo pode significar apenas menos tempo de
sono, e não prazer.
Some a isso o fato de que a excitação feminina não
é automática -- é preciso desligar e relaxar. " O homem tem a sexualidade
mais resolvida, é algo que ele faz para relaxar. Já a mulher não, tem muitos
outros fatores emocionais e sociais que dificultam a excitação e o prazer",
defende Lelah.
Nesse cenário, as duas acreditam que muitas
mulheres se sentem na obrigação de transar para manter a relação. "Existe
ainda uma cultura do 'se eu não fizer, outra vai fazer', porque o homem teria
uma necessidade física de transar, que faz com que muitas mulheres se sintam no
dever de fazê-lo", explica a sexóloga.
Para a esteticista A.S., 34 anos, isso é comum em seu
casamento. "A rotina de trabalho, casa e filho cansa. Então rola a
situação de eu não querer deixar ele sem sexo, mesmo cansada, e fazer só para
cumprir a obrigação. E eu só penso: 'termina logo com isso'".
Homens também transam por
obrigação.
Apesar de mulheres se sentirem mais pressionadas a
transar quando estão sem desejo, homens também passam por isso.
"Recentemente eu estava saindo com essa garota e ela fica o tempo todo no
carinho, querendo. Eu estava mais tranquilo, mas é muito difícil falar que não,
para parar, então eu acabava fazendo", conta B.C., 32 anos.
Para as especialistas, a dificuldade dos homens em
recusar o sexo está mais ligada a uma necessidade de provar a masculinidade.
"Não que seja mais fácil, eles têm medo de broxar, se sentem cobrados, as
esposas cobram", explica Mirian Goldenberg. Ao que Lelah complementa com o
fato de que se espera que seja da natureza do homem estar sempre com vontade, o
que também é uma pressão.
Informação reforçada pelos dados de um estudo de
2015, do instituto GFK, que apurou que 44% dos homens entre 41 e 50 anos usavam
medicamentos para disfunção erétil em todas as relações. "As brasileiras
são as maiores consumidoras de remédios para ansiedade e para dormir. Os
brasileiros são os maiores consumidores de Viagra", diz Mirian, para
diferenciar as pressões que cada gênero sofre.
Não é um fracasso individual ou
do casal.
A forma como essas pressões acontecem para levar
tanto homens e mulheres a transar por obrigação mostra que não é um sintoma de
fracasso da pessoa ou do casal. "Isso está ligado a uma cultura que
multiplicou as escolhas e as obrigações Se você considera isso um problema seu
ou do relacionamento, aí complica. Você vai se sentir cada vez mais um fracasso
ambulante", defende Mirian, que acredita que é importante encarar a
questão de maneira consciente e ter diálogo com a outra pessoa.
Para Lelah Monteiro, é importante também que as
pessoas entendam como se sentem e expressem isso para os parceiros. "E não
pode faltar respeito, ouvir as necessidades e desejos do outro e
respeitar". Ela diz, ainda, que começar o sexo sem muita vontade pode,
para alguns casais, levar ao prazer conforme a estimulação acontece e isso pode
reforçar os laços entre os dois e aumentar o desejo. Mas para outros casais
isso pode não funcionar.
Quando a obrigação vira violência.
É muito importante saber que quando uma das duas
pessoas não quer transar e é forçada pelo outro, isso é estupro. No entanto,
mesmo quando isso não ocorre, o sexo feito sem vontade e sem prazer pode ser
violento.
"Eu transava para agradar meu parceiro, pois
ele me falava 'como assim você não quer?', então eu fingia logo um orgasmo e me
sentia impotente e violada. Hoje eu vejo que ele deveria ter respeitado quando
eu não queria", conta A.B., 27 anos.
Para Lelah Monteiro, "é importante a mulher
ter algum tipo de prazer, em que haja o mínimo de excitação, lubrificação e
relaxamento muscular. Senão causa culpa, conflito e pode até causar dor e
machucar, levando a disfunções como o vaginismo, uma contração involuntária da
vagina que dificulta o sexo".
Ela acredita que um deve respeitar as vontades do
outro e também observar os sinais que a pessoa dá com o corpo. " Há sinais
físicos, faciais e corporais da excitação e do prazer. E a pessoa que finge não
consegue expressar o tempo todo, ela pode dar um gemido ou contrair o corpo
algumas vezes, mas é perceptível se está preocupada", explica.
B.C. concorda com ela. Apesar de hoje estar na
situação de não querer transar, ele já esteve do outro lado: "Às vezes,
chega no desconforto de a pessoa não perceber que você não está a fim. Mas eu
namorei muitos anos e eu sempre queria, ela nem sempre. Quando não rolava, eu ficava
de cara feia, mal-humorado, estragava a noite. Um ano depois que a gente
terminou ela veio me falar que às vezes fazia por causa da minha reação e que
aquilo era muito violento para ela, incomodava".
O ideal, quando não se está a fim, é falar e
respeitar. Mas a sexóloga reforça: mesmo se a pessoa não falou e você está
percebendo que ela não quer, não force a barra.
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