Uma
nova estratégia para a prevenção da aids será disponibilizada até o fim deste
ano no Brasil para pessoas que vivem com risco altíssimo de contrair o vírus
HIV. Conhecido pelo nome comercial Truvada, uma combinação dos
antirretrovirais tenofovir e emtricitabitina, o medicamento da farmacêutica americana
Gilead será oferecido inicialmente a 7 000 pessoas pelo Sistema Único de Saúde.
É destinado àqueles com maior vulnerabilidade de se infectar e que relatam
dificuldades de se proteger em todas as relações sexuais. Fazem parte do grupo
os homens que fazem sexo com homens, pessoas trans, casais sorodiscordantes
(quando um tem o vírus e outro não) e profissionais do sexo. Embora a
orientação inquestionável e mais eficaz para a prevenção do HIV seja o uso do
preservativo, a realidade na prática é um pouco diferente. Pesquisa realizada
pelo Ministério da Saúde demonstrou que metade dos entrevistados relatou não
ter recorrido ao produto de látex na última relação com parceiro casual. Diz o
infectologista da USP, Rico Vasconcelos: “É uma mudança de paradigma. Está na
hora de atualizar o discurso de que o preservativo é a única estratégia para a
prevenção do HIV. É, sem dúvida, a melhor e tem de ser encorajada sempre. Mas
há alternativa de proteção para quem falha em utilizá-lo”.
Popularmente
conhecida como Prep (sigla em inglês de profilaxia pré-exposição), a estratégia
consiste na ingestão diária de um comprimido por pessoas que não têm o vírus.
Para receber o medicamento do governo, o interessado deverá ser submetido a uma
avaliação para verificar qual seu grau de exposição ao vírus HIV. Uma vez
dentro do programa, será orientado a adotar todas as medidas preventivas, como
o uso de preservativo, além de fazer acompanhamento médico periódico e testes
de HIV. O Truvada também pode ser adquirido nas farmácias particulares. Custa
290 reais por mês.
Calcula-se
que atualmente 827 000 pessoas vivem com aids no Brasil. Segundo os últimos
dados divulgados pelo Ministério da Saúde, houve um aumento principalmente
entre os jovens do sexo masculino. Entre aqueles com 20 aos 24 anos, por
exemplo, a taxa de detecção subiu de 16,2 casos para cada 100 000 habitantes,
em 2005, para 33,1 casos em 2015. A oferta do tratamento é uma tentativa de
frear esse avanço.
Eficácia.
O
primeiro estudo com o Truvada teve início há uma década. A pesquisa recrutou 2
500 pessoas classificadas com alto risco de infecção. Metade delas recebeu os
comprimidos azuis com o princípio ativo, enquanto a outra parte tomou placebo.
De acordo com os resultados, os indivíduos que utilizaram o Truvada tiveram uma
taxa 44% menor de infecção pelo HIV. Nos participantes que seguiram as
recomendações médicas à risca e mantiveram a adesão ao tratamento, a redução da
infecção foi ainda maior, de 92%. Até agora, foram realizados 32 estudos
científicos com o composto, que incluíram 8.478 pessoas.
No
Brasil, um estudo coordenado por Vasconcelos acompanhou 500 pessoas com alto
risco de exposição ao vírus. “Nossos resultados até agora mostraram que essa é
uma estratégia que funciona e que tem adesão alta. As pessoas vulneráveis ao
HIV aderem tanto à consulta quanto ao uso do comprimido”, disse.
Estima-se
que 150 000 pessoas utilizem esse medicamento no mundo, a maior parte delas
está nos Estados Unidos. Lá, o composto foi aprovado em 2012 e seu uso cresce a
cada ano. Um exemplo do impacto desse tipo de estratégia é a cidade de São
Francisco, na Califórnia. Após a adoção do Truvada, o número de novos casos
caiu quase 20% de 2013 para 2014.
Entre
os americanos, o comprimido é popular na comunidade gay. O Grindr, um dos maiores
aplicativos de encontros para esse público, acrescentou no ano passado a
possibilidade acrescentar o termo ‘on PrEP’ no perfil do usuário. Quem assinala
essa opção sinaliza aos seus possíveis parceiros que está se protegendo do HIV.
O mesmo aplicativo também acrescentou no início deste ano um novo ‘gaymoji’
relacionado à Prep — o emoji é um comprimido azul, igual ao Truvada.
As principais dúvidas sobre a Prep.
Como
funciona o medicamento? Ele
bloqueia a entrada do vírus HIV no DNA das células de defesa do organismo,
impedindo a sua replicação. A taxa de eficácia é de até 99%, segundo os estudos
clínicos, desde que tomado corretamente. A indicação é de um comprimido, uma
vez ao dia, que deve ser tomado regularmente, sem interrupções.
O
uso da Prep exclui a necessidade do preservativo na relação sexual? Não. Deve ser um complemento a outras estratégias de
prevenção, como a camisinha e o aconselhamento médico. O preservativo é a arma
mais eficaz para proteger contra o HIV e evitar o contágio por outras doenças
sexualmente transmissíveis, como a sífilis e a hepatite B.
Para
quem a Prep é indicada? Para
qualquer pessoa que tenha alto risco de infecção por HIV e que falha em se
proteger adequadamente durante as relações sexuais. No Programa Prep Brasil,
por exemplo, são elegíveis os homens que fazem sexo com homens, travestis e
mulheres transexuais, que tenham praticado sexo anal sem preservativo com dois
ou mais parceiros nos últimos 12 meses.
Tem
efeitos colaterais? Sim. O
efeito adverso mais grave é a insuficiência renal, que pode acometer 5% das
pessoas. Por isso, quem utiliza o medicamento deve fazer acompanhamento
trimestral para avaliar como está a saúde dos rins. Além disso, 16% relatam
efeitos gastrointestinais, como náuseas e dores abdominais. Esses sintomas
tendem a ser transitórios e a desaparecer após uso contínuo.
Quem
inicia a Prep deve utilizá-la para sempre? Não necessariamente. Um exemplo seria um casal
sorodiscordante que gostaria de ter um filho. O marido tem HIV, mas está com
carga viral indetectável. A mulher pode utilizar o medicamento até engravidar,
sem correr risco de contágio. Ou ainda um homem gay solteiro que relata
dificuldades de usar a camisinha em todas as relações casuais. Nesse caso, o
composto pode garantir uma proteção extra. Ele poderia interromper o uso quando
decidir ter um parceiro fixo.
A
bebida alcoólica tira o efeito da Prep? Não. A eficácia do Truvada é reduzida se não for
utilizado corretamente.
Quem
esqueceu uma vez de usar a camisinha deve usar a Prep? Não, nesse caso, a indicação é a utilização da terapia de
pós-exposição. Deve-se procurar um serviço de saúde em até 72 horas para
iniciar o esquema profilático com duração de 28 dias.
O
Truvada pode aumentar a resistência ao HIV? Não. De acordo com a farmacêutica Gilead, o uso da Prep
com Truvada não causa nenhum tipo de resistência ao vírus, desde que o usuário
seja HIV negativo. Por isso, a empresa ressalta, é importante que o médico se
assegure dessa condição e que a testagem para o HIV seja repetida a cada três
meses.
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