Estava
lendo o jornal e me deparei com uma propaganda de página inteira dizendo: “rotulagem
adequada já”. Nessa publicidade, uma abordagem radical com tons
agressivos sugeria uma rotulagem – quase tarja preta – para certos alimentos.
Fiquei
pensando: se há alguma entidade pensando em inscrever dizeres que definam o que
é bom ou ruim para a saúde, quem serão as pessoas por trás dessa entidade?
Quais os princípios? Quais os parâmetros?
Comecei
a divagar sobre quais seriam os candidatos a receberem a tarja preta. O
primeiro que veio a minha mente foi o chocolate. Ora, ele possui uma boa quantidade de gordura e açúcar.
Isso não é saudável!
Porém…
um estudo demonstrou que o consumo de chocolate 70% de cacau reduz marcadores
de estresse e ansiedade, assim como colesterol. Opa, então o chocolate tem um
lado saudável! Tá liberado.
E os
cereais? Eles são redutos de carboidratos – tarja preta neles! Mas recentemente
foi demonstrado que a ingestão desses alimentos promove uma alteração das
bactérias intestinais, produzindo um tipo específico de ácido graxo. E isso,
por sua vez, parece proteger o intestino de diversas doenças, entre elas
o câncer colorretal. Mais um alimento fugiu da guilhotina.
O
fato é: rotular um alimento como mocinho ou vilão simplifica o conceito de
saúde. Nós poderíamos pensar em inúmeras opções aqui e certamente teríamos
pontos positivos e negativos pra cada uma. Não existe alimento bom ou ruim, e
sim alimentos diferentes. Podemos consumir todos.
E
tem mais: rotular uma comida como saudável ou não também reduz sobremaneira o
significado da alimentação, de um gosto, de um sabor. Me lembro quando fiz um
curso de degustação de vinho e, após experimentarmos um tinto, a professora
perguntou: qual sabor vocês sentiram?
As
respostas foram as mais variadas. Morango, framboesa, grama, terra, carvalho
etc. “E quem está certo, professora?” Ela respondeu: “Todos”. E destacou que o
sabor tem relação com nossas histórias de vida e experiencias gustativas. Negar
tudo isso e se proibir completamente de algo que faz parte da sua história
dificilmente trará resultados duradouros.
Fatos, força e medo.
Particularmente,
me assusta a valorização de estratégia que usam fatos, força e medo para
convencer alguém a adotar um comportamento mais saudável. A ciência já
demonstrou que é difícil mudar de verdade dessa maneira.
Para
modificarmos de fato um hábito, seja ele qual for, precisamos de uma recompensa
e motivação importante para nós – para nós, e não para o profissional de saúde.
Só
você consegue mudar suas escolhas. Os fumantes não param de fumar por deixarem
de gostar dos seus cigarros, mas por encontrarem algo que eles desejam mais que
os próprios cigarros. Pode ser, por exemplo, ter saúde para ver os netos
crescerem.
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