Ser roubado provoca emoções intensas, como medo, raiva e
desesperança. Aprenda a transformar esse acontecimento desagradável em uma
oportunidade de crescimento.
A designer Bruna
Caldeira, 30 anos, dormia quando um ladrão arrombou a janela de sua casa, em
Belo Horizonte. De manhã, ela percebeu que o computador, com tudo o que fez em
oito anos de trabalho, fora levado. Também sumiram outros aparelhos e um HD
externo, em que guardava fotografias e o backup de todos seus arquivos.
"Meu mundo caiu", recorda-se.
Em São Paulo, o
escritório do colecionador de quadrinhos Antônio José da Silva, 64, o Tom Zé,
foi invadido e 7 mil revistas raríssimas, colecionadas ao longo de 40 anos,
levadas.
Bruna e Tom Zé ainda
estão se recuperando emocionalmente. Eles não perderam apenas objetos de valor
financeiro, mas carregados de amor e dedicação. "Vários dos exemplares
eram únicos", lamenta Tom Zé. Ou seja, não podem ser comprados novamente,
assim como o trabalho e as memórias de Bruna.
A Pesquisa Nacional
de Vitimização, divulgada pelo Ministério da Justiça, aponta que 21% dos
brasileiros sofreram algum tipo de violência no último ano. Furtos e roubos,
somados, são o principal crime. Em algumas pessoas, a falta do objeto furtado
desencadeia uma tristeza semelhante ao luto, e a sensação de ter a vida
ameaçada em um assalto pode permanecer por muito tempo. Esse sofrimento é conhecido
como Transtorno do Estresse Pós-Traumático. Segundo a psicóloga Cláudia Sodré
Vieira, o drama pode levar uma pessoa até a mudar sua personalidade.
"Passa a ser alguém mais amargo, pessimista, pavio curto e até
violento", explica.
Ninguém quer mudar para
pior. Por isso, apresentamos a seguir um passo a passo para minimizar os
estragos que um assalto pode provocar na sua vida. Cabeça e coração tranquilos
valem mais do que qualquer objeto perdido.
Parte I -
Analise o que aconteceu.
Reaja só
depois.
Assim que estiver em
local seguro, se sentir vontade, grite, corra, xingue, lute ferozmente com o
travesseiro. Extravase tudo o que gostaria de ter feito durante o assalto. A
tática (que lembra as terapias de psicodrama, em que os pacientes simulam situações
e discutem sobre elas com o terapeuta) ajuda a gastar a adrenalina despejada em
alta quantidade no seu sangue devido ao medo que sentiu no momento do roubo.
Esse neurotransmissor, desde a época das cavernas, prepara o homem para fugir
ou lutar em uma situação perigosa. Diante de um mamute ou outro animal gigante,
enfrentar ou se escafeder era o que realmente devia ser feito. E foi o que
garantiu a sobrevivência da espécie humana. Mas, hoje, lutar ou correr são duas
péssimas escolhas diante de alguém armado e também cheio de adrenalina.
Chore no
ombro.
Encontrar um amigo
pode evitar danos maiores à sua saúde mental. "É importante a vítima se
sentir, nesse momento, plenamente acolhida por alguém que compreenda seu
sofrimento", diz a psicóloga Claudia Sodré Vieira. Evite, claro, pessoas
que vão fazer perguntas infinitas, culpar você ou mesmo minimizar o problema
dizendo que "ao menos você não morreu". Pode chorar. Mas só o
conforto do colo de um amigo não é o bastante. Mesmo que seja difícil, converse
sobre o que aconteceu. Conte tudo a alguém de confiança. Não tocar no assunto
não vai fazer você esquecer aquele momento. Ao contrário, falar para um bom
ouvinte ajuda a racionalizar sobre o que de fato aconteceu. E isso evita que um
medo generalizado se instale. A companhia de um grande amigo pode ser bem
importante no próximo passo.
Tome
providências.
Cancele cartões e
linha de celular e avise o seguro do carro. Em todos os casos, faça um boletim
de ocorrência. Não importa se o roubo aconteceu com ou sem violência, ou se foi
um furto (você nem viu o ladrão). Mesmo que não tenha esperança de recuperar o
objeto roubado, registre o BO ¿ que em vários Estados pode ser feito pela
internet, na página da Secretaria de Segurança. "Notificar um assalto
ajuda a polícia a formar estatísticas mais próximas da realidade sobre onde e
como acontecem os roubos. Isso melhora as estratégias da segurança pública no
geral", diz a delegada Giuliana Rodrigues, do Departamento Estadual de
Investigações Criminais (Deic), de São Paulo. Se o seu celular (objeto mais
furtado no País) foi levado, aproveite para já avisar os amigos pelas redes
sociais e pedir que mandem novamente seus números.
Siga em
frente.
É normal se sentir
paralisado por umas 72 horas após o roubo. E triste por cerca de um mês. Mas
faça um esforço para continuar. A designer Bruna tinha uma entrevista de
trabalho marcada para o dia em que o seu computador foi levado. "Mesmo
muito abalada, resolvi ir, e só essa atitude já fez com que eu me sentisse mais
forte." Tom Zé chegou a cogitar abandonar o hobby que tanto adora. Mas já
voltou a comprar revistas para a sua coleção. "Aprendi a não deixar a
tristeza tomar conta de mim." Por fim, pare de pensar nisso. Como? Faça
uma análise do que aconteceu: como foi a situação, se foi um descuido ou não.
Isso vai ajudá-lo a perceber que o ocorrido não irá se repetir a qualquer
momento. Depois disso, pare de pensar nessa história. Se for preciso, peça aos
amigos e à família que não toquem no assunto. »
Parte II
- Transforme sua emoção.
Busque
ajuda.
Se o medo de passar
de novo pela mesma situação de violência não deixa você em paz, é preciso
terapia. Pode ser Transtorno do Estresse Pós-Traumático ¿ doença desencadeada
após uma situação real de ameaça à vida. Comum em quem presencia uma guerra e
também em vítimas de assaltos. Outros males para que a pessoa já tinha
predisposição, como depressão e outros transtornos, também podem se desenvolver
após o estresse agudo. Quanto antes procurar ajuda, melhor. "Em geral, as
pessoas só buscam tratamento quando suas vidas já desmoronaram", afirma
Cláudia Sodré. O isolamento social e o abuso de álcool são alguns dos péssimos
recursos que muita gente usa para se proteger das más lembranças. "A
violência vira um marco na vida da pessoa e ela passa a ser outra a partir de
então."
Tenha fé.
O teólogo Maurício
Souza, professor do curso de Teologia da Universidade Mackenzie, teve o carro
roubado quando ainda pagava as prestações. Para piorar, o seguro se recusou a
cobrir o prejuízo. Ele e a mulher começaram a conversar sobre o que de pior
poderia ter acontecido. Lembraram-se dos cheques que tinham na carteira e não
foram roubados, e principalmente da vida que não perderam. Por fim, decidiram
ter fé e "entregar nas mãos de Deus". A seguradora voltou atrás e
pagou parte do valor. "A fé é uma convicção pessoal, mas afirmo que ela é
um instrumento poderoso que ajuda a suportar situações difíceis, a não ficar
remoendo perdas e ter a consciência em paz", diz. Maurício acredita que
poderia ser uma pessoa pior se não tivesse passado por isso. "Poderia ter
outro sentimento, ser alguém que conta cada centavo."
Perdoe
seu ladrão.
Bruna, após o roubo,
tinha surtos de raiva em que esmurrava a mesa a cada vez que precisava de um
arquivo que estava em seu antigo computador. "Sentia um ímpeto de me
vingar", lembra. Até que se tocou que insistir nisso a estava prejudicando
mais do que o roubo. Ela decidiu, então, perdoar quem lhe causou tanto mal. E
fez uma página chamada Perdoe o Seu Ladrão, no Facebook, para divulgar a ideia.
"De forma alguma defendo a impunidade. Só quero que as pessoas enfrentem
essas situações sem perder o amor. Acredito que sentimentos ruins influenciam a
nossa saúde", diz. O teólogo Maurício e a mulher intensificaram a sua fé
fazendo orações para os ladrões que roubaram seu carro. "Para que
respondessem pelo crime que cometeram e parassem com a prática. Mas que não
tivessem suas vidas ceifadas pela polícia", pondera.
Faça uma
releitura.
Algo bom pode acontecer depois que paramos de reclamar. "Às
vezes, o carro roubado é motivo para começar a se exercitar, andando mais a pé.
Os arquivos perdidos podem ser um convite a repensar e melhorar trabalhos que
estavam prontos", comenta a monja Coen. O budismo acredita que todas as
coisas são transitórias e que o apego material é, portanto, fonte de
sofrimento. Coen lembra que muitas pessoas a partir de um evento de violência
se engajam em uma causa coletiva. "Elas fazem da sua vida uma campanha
para que outros não sofram o mesmo. Podemos usar nossa energia para o bem do eu-maior,
que é toda a sociedade." Mesmo sem se engajar, você pode cultivar a ética
ao não comprar um produto barato que evidentemente é fruto de roubo. "Agir
de forma correta e não guardar rancor assim, tornamos o mundo menos
violento."
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