FONTE: Thais Borges (thais.borges@redebahia.com.br), CORREIO DA BAHIA.
Os sintomas
mais prevalentes associados aos relacionamentos abusivos são os de depressão e
de ansiedade.
“Meu
aparelho digestivo estava totalmente destruído. De afta a gastrite, esofagite,
pedra na vesícula, hemorroidas. Da boca ao ânus, estava tudo destruído”, lembra
a educadora Tulipa*, 42 anos. Naquele mesmo ano, foi diagnosticada com
depressão. Hoje, além da depressão – que ganhou o adjetivo ‘profunda’ –, ela
tem ansiedade generalizada.
Vítima
de um casamento que durou 15 anos e que a persegue até hoje, Tulipa sofreu
tanto nesse relacionamento abusivo que ficou doente. “Minha vontade, na época,
era de ter um câncer maligno e morrer”.
É
bem nessa época do ano – que emenda o dia 12 de junho, quando é comemorado o
Dia dos Namorados, e o dia 13, dia de Santo Antônio, o casamenteiro – que muita
gente lamenta por não ter um amor romântico para viver. Só que relatos como o
de Tulipa trazem uma reflexão: que relacionamentos podem ser a razão para que
muita gente adoeça, literalmente.
“Comecei
a ter crises de novo. No último dia 31, fui a um psiquiatra, porque comecei a
ter dor de cabeça o tempo inteiro. Me explicaram que, além da além da insônia
causada pela ansiedade, há a insônia da depressão”, continua Tulipa. Em casa,
nem sempre há compreensão. A mãe não aceita que ela tem depressão. Prefere não
acreditar. “Ela diz que é menopausa, que eu preciso ir na praia, qualquer
coisa... Menos depressão”, revela Tulipa, que é assistida pelo Centro de
Referência Loreta Valadares.
De
fato, ansiedade e depressão são os relatos mais comuns, mas até transtornos
alimentares, queda de cabelo, insônia, problemas de pele e crises de rinite são
recorrentes. No entanto, como explica a psiquiatra Fabiana Nery, médica da
Clínica Holiste e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
da Bahia (Ufba), é mais provável que as pessoas desenvolvam apenas os
sintomas.
“Os
sintomas mais prevalentes associados seriam os sintomas depressivos e ansiosos.
São quadros mais leves. Na verdade, você pode ter esse comportamento associado
a sintomas de ataque de pânico e transtorno de estresse pós-traumático
relacionado a situações que relembram um relacionamento abusivo, uma relação
violenta”, diz.
A
situação é mais frequente do que parece. E, segundo a psicanalista e
hipnoterapeuta Shirley Moraes, do NitidaMente Instituto, está muito mais
presente em mulheres do que em homens. “Às vezes, temos homens que passam por
essa situação, mas, lá no consultório, de dez pacientes que chegam, dois são
homens e oito são mulheres”.
Isso
seria explicado pelo fato de que muitas mulheres têm uma visão ideal de
casamento de conto de fadas, de princesa e até de que dependem de um homem que
as complete. “A cultura do machismo acaba protegendo um pouco o homem nessa
relação, porque ele é mais autossuficiente nesse aspecto”.
As
mulheres, por outro lado, podem ter depressão relacionada a maus tratos por
parte do companheiro – não apenas no que diz respeito à violência física, mas
psicológica. Shirley cita, inclusive, casos de mulheres que deixam de lado
amigos e parentes, saem do contexto social que vivem para se tornar submissas
ao relacionamento. “Junto com isso, vem a queda de cabelo, de unha, a rinite
que aumenta, o problema de pele”, exemplifica.
Para
a psicanalista e hipnoterapeuta, tudo acontece porque mente e corpo são
integrados – assim, quando a mente não está bem, o corpo sofre. Shirley diz que
muitos de seus pacientes chegam até ela indicados por médicos, especialmente
após resultados de exames não indicarem quadros que expliquem o mal-estar
físico.
“É
muito comum pacientes serem indicados para mim por médicos, porque fazem exames
e veem que não tem nenhum motivo para que a pessoa não tenha desejo sexual pelo
marido, por exemplo. Todos os hormônios estão normais, mas a pessoa não tem
desejo. Às vezes, a pessoa está perdendo cabelo, faz um monte de tratamento
estético, médico, mas não resolve, porque tem que resolver a emoção”.
A
empresária Flora*, 23 anos, é uma das que foi indicada para a terapia por um médico.
Tinha vivido uma relação de seis anos, mas, um ano após o término, continuava
com dificuldades para encarar seu próprio luto. “Passei por um tempo que só
bebia. Tomo remédio para insônia até hoje. Procurei psiquiatra, minha
neurologista me passou remédios. Não conseguia dormir, não conseguia trabalhar.
A queda de cabelo eu tento reverter até hoje, porque arrancava muito o cabelo”,
conta. As coisas só mudaram depois que ela começou o tratamento
hipnoterapêutico, associado à psicoterapia convencional.
Disfuncionalidade.
A psiquiatra Fabiana Nery destaca que o amor é um sentimento complexo. Assim, relacionamentos podem ser funcionais ou disfuncionais. No caso de um relacionamento disfuncional, podem ocorrer sofrimentos diversos.
A psiquiatra Fabiana Nery destaca que o amor é um sentimento complexo. Assim, relacionamentos podem ser funcionais ou disfuncionais. No caso de um relacionamento disfuncional, podem ocorrer sofrimentos diversos.
No
Centro Loreta Valadares, ligado à Superintendência de Políticas para Mulheres e
Juventude e que acolhe mulheres vítimas de violência doméstica, é comum que elas
cheguem com sofrimentos. Lá, os relacionamentos se encaixam nos
‘disfuncionais’.
“Quando
elas vêm pela primeira vez, geralmente estão no limite da violência. Muitas têm
insônia, ficam sobressaltadas, têm pânico. Quando já existe algum sofrimento
mental, isso se agrava”, explica a assistente social Tânia Palma.
Segundo
ela, muitas vezes, as mulheres têm dificuldades de identificar a violência que
sofrem dentro dos relacionamentos. Por isso, acabam levando marcas invisíveis
para a vida toda.
“A
gente, então, encaminha para o acompanhamento psicológico. Se for necessário,
também para o acompanhamento psiquiátrico no Caps (Centro de Atenção
Psicossocial). A gente tenta fazer com que elas entendam que o problema não é
ela. A violência contra a mulher é milenar. Precisamos informar, esclarecer e
empoderar para que elas rompam o ciclo”.
*Nomes
fictícios
Saiba onde buscar ajuda.
Centro de Referência Loreta Valadares (CRLV) Praça Almirante Coelho Neto, nº 1, em frente à Delegacia do Idoso – Barris. Telefone: 3235-4268
Centro de Referência Loreta Valadares (CRLV) Praça Almirante Coelho Neto, nº 1, em frente à Delegacia do Idoso – Barris. Telefone: 3235-4268
Cras
(Centro de Referência de Assistência Social) – Atende famílias em situação de
vulnerabilidade social. Telefone: 3115-9917 (Coordenação estadual) e 3202-2300
(Coordenação municipal)
Creas
(Centro de Referência Especializada de Assistência Social) – Atende pessoas em
situação de violência ou de violação de direitos. Telefone: 3115-1568
(Coordenação Estadual) e 3176-4754 (Coordenação Municipal)
Delegacia
Especializada de Atendimento à Mulher Em Brotas, Rua Padre José Filgueiras, s/n
- (3103-7000) e Periperi, Rua Doutor José de Almeida, Praça do Sol -
(3117-8217).
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