Será que as escolas (e
os pais) estão fazendo o dever de casa na hora de falar sobre sexualidade com
seus filhos? Apesar dos discursos obscurantistas que sopram a partir de
Brasília e de algumas outras partes do Brasil, tem ficado cada vez mais claro
que não podemos fugir dessa discussão.
Tratar de sexualidade
em 2020 não se resume a explicar como o corpo muda na puberdade, como evitar
gravidez precoce e de que forma as infecções sexualmente transmissíveis podem
ser prevenidas. A gente tem que falar, entre tantos assuntos, de emoções, de
desejo, de respeito, de limites, de gênero, de consentimento e de como
identificar e se defender de uma situação de desconforto e risco.
Dois casos acontecidos
na última semana tornaram ainda mais explícita e urgente a importância de não
se fugir do tema. No primeiro, uma adolescente de 17 anos na grande Porto
Alegre se viu diante de uma situação
de comportamento absolutamente inadequado de um motorista de 43 anos do
aplicativo Uber .
Possivelmente exposta
pelos pais, pela escola ou pela mídia à possibilidade de se ver diante de uma
situação como essa, ela se defendeu como pode. Apesar de estar com medo,
constrangida e abalada pela conduta imprópria do condutor (para se dizer o
mínimo), ela marcou posição, deixando claro para ele que aquela abordagem tinha
passado dos limites do razoável. Mais ainda, gravou a cena, expondo o motorista
e, de alguma forma, fazendo com que a discussão ganhasse corpo.
A resposta inicial do
motorista foi típica e esperada em uma sociedade machista: ele negou ter
cometido assédio, achou que teve uma conversa normal (que foi tirada do
contexto) e tentou desqualificar a conduta da garota (“ela teria se insinuado
para ele e ainda estava usando um shortinho estilo “Anitta”). Não demorou para
que a própria Anitta,
antenada com a urgência de desconstruir esse tipo de fala, reafirmasse no
Twitter o óbvio: o problema não é o shortinho e nada justifica um assédio.
Em relação ao
motorista, a polícia investiga perturbação da tranquilidade, crime contra a
honra ou importunação sexual, com agravante de se tratar de menor de idade. Ela
aguarda ainda novas denúncias ou provas contra ele.
Ainda na mesma semana,
em uma escola pública de Blumenau (SC), 26
alunas foram chamadas à direção porque estavam usando shorts muito curtos em
sala de aula, apesar de a temperatura que beirava os 40 °C. Segundo as
estudantes, a justificativa dada pela diretoria seria o combate ao assédio.
Em resposta à postura
da escola, as alunas promoveram um protesto no dia seguinte: todas foram de
shorts com faixas e cartazes com a mensagem: “Ensinem os homens a respeitar e
não as mulheres a temerem”.
A direção alega que
cumpriu a orientação definida pela Assembleia de Pais: shorts ou bermuda só na
altura do joelho! A Secretaria de Educação diz que uniformes são pactuados
entre escolas e pais, e que a escola é um ambiente formal, que prepara o aluno
para a vida nos contextos pessoais e profissionais.
As duas histórias
conversam de forma direta. De um lado, uma visão ultrapassada de algumas
escolas, pais e educadores que o jeito de se vestir define caráter, reduz “tentações”
e protege contra o assédio. E, do outro lado, uma tentativa de responsabilizar
a mulher sobre os desejos e condutas dos homens (“se não provocar, não tem
problema”). O que estamos cansados de saber que não é verdade! Com ou sem
shortinho, milhares de mulheres são assediadas e vítimas de violência sexual
dia após dia no Brasil. Se a menina do aplicativo estivesse da calça, ela não
seria exposta a uma conduta inadequada do motorista? Assédio não acontece no
inverno?
Tanto a menina de Porto
Alegre como as alunas de Blumenau (e a própria Anitta) deixaram claro que essa
é uma visão míope e rasa: o problema não é a roupa das mulheres e sim o
comportamento dos homens. E elas ainda mostram caminhos: é essa mulher que
reclama e denuncia quando se sente importunada, exige respeito e direitos, e
mostra limites claros para os homens que pode mudar essa realidade!
E como se fortalece
essas garotas e se mostra a importância dessa mudança de conduta de forma ainda
mais clara para os garotos? Como se investe nos jovens para eles sejam melhores
homens e mulheres no futuro?
Se garotos entenderem
limites, desde cedo, e souberem respeitar direitos e espaço das garotas,
possivelmente teríamos muito menos problemas com assédio e violência contra as
mulheres no futuro. Em paralelo, garotas que aprendem a identificar riscos,
problemas, condutas impróprias e sabem como proceder nessas situações também
passam a ter voz mais ativa nessas relações.
Essas mudanças se fazem
com escolas antenadas e dispostas a discutir a fundo essas questões, e com pais
e mães que evitem reforçar estereótipos e garantam diálogo com seus filhos. Por
isso, trabalhar com sexualidade e gênero de forma ampla e estruturada é medida
urgente!
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