FONTE: Débora Nogueira e Fabiana Marchezi, Do UOL, em São Paulo (SP), (noticias.uol.com.br).
Agricultor afegão coleta flores da papoula, de onde é
extraído o ópio, um poderoso analgésico que é a base da morfina e heroína. A
foto foi tirada em uma vila a 500 km de Cabul, capital do Afeganistão.
O Brasil está entre
os países com as menores taxas de prescrição de opióides do mundo. O país tem
consumo de 7,8 mg de opioides (como morfina) por pessoa ao ano. A taxa ideal
seria de 192,9 mg ao ano por pessoa, ou seja, quase 25 vezes mais, segundo
dados de referência divulgados na publicação científica Journal of Pain
Research. O baixo tratamento da dor aguda pode ser explicado por uma série
de fatores como a burocracia para a prescrição desses medicamentos, o
preconceito dos familiares, e até a falta de segurança do médico para
diagnosticar o sofrimento do paciente.
"Muitas vezes, o
paciente brasileiro morre com dor. Geralmente, os méd icos não sabem tratar a
dor e as enfermeiras não sabem avaliar o grau de dor. Muitos profissionais têm
preconceito e medo de prescrever remédios para dor, principalmente
morfina", afirma o oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, em
São Paulo, Noam Pondé.
A baixa prescrição de
analgésicos como morfina, codeína e metadona também pode ser explicada pela
preocupação com o uso abusivo desses medicamentos, que derivam do ópio, ou
papoula, e levam à dependência psicológica e física.
"Eles podem
causar dependência e efeitos colaterais, como depressão respiratória. Por isso,
é necessário um controle, mas isso não pode impedir que a dor do paciente seja
aliviada. O médico precisa ter experiência para entender a necessidade de cada
paciente. Precisa prezar pelo seu conforto. É desumano deixar o paciente com
dor", opina o médico diretor do Instituto Brasileiro para Segurança do
Paciente Lucas Santos Zambon.
"Há uma
desinformação tanto da população quanto dos médicos em relação à prescrição
desses medicamentos. Por um lado, o paciente e os familiares pensam que o uso
desses medicamentos está restrito a doentes terminais e os rejeitam. Por outro,
os médicos têm receio da dependência e dos efeitos colaterais ou não sabem
prescrever", afirma o médico intervencionista em dor André Mansano.
A burocracia
enfrentada na hora de prescrever o remédio também é considerada empecilho pelos
médicos. No Brasil, as dificuldades para prescrever os opioides já começam com
a obtenção do receituário amarelo (tipo A). Para conseguí-lo, o profissional
deve ir pessoalmente à Secretaria Estadual de Saúde para fazer um cadastro.
"Precisa ter um
controle, mas sem excesso. Apesar de um pouco burocrático, é um procedimento
fácil e necessário para evitar o abuso das substâncias. Lidar com a dor não é
fácil, é preciso medicar na medida certa. Subtratar a dor, ou seja, deixar o
paciente com dor pode ser tão maléfico quanto hipertratá-la", pondera o
professor de clínica geral do Hospital das Clínicas de São Paulo Paulo Camiz.
"Quando bem
indicadas e utilizadas, tais medicações são extremante seguras, não devendo
gerar receio ou insegurança nos profissionais ou pacientes e familiares. Como
qualquer outra medicação, devem ser prescritas por médicos e os pacientes devem
ter acompanhamento regular", informou o ministério da Saúde em nota.
O vice-presidente do
Instituto Mundial da Dor no Brasil, Charles Amaral de Oliveira, explica que o
consumo de opioides e opiáceos compõe um dos fatores do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) de uma nação. "Quanto maior o consumo de
opioides, maior é o IDH, porque isso significa que a dor está sendo tratada e
que as pessoas têm mais qualidade de vida. Com isso, o Brasil está em uma
posição bastante desfavorável em relação aos países desenvolvidos, podemos
dizer que a dor crônica é subtratada no país", afirma.
O dado de consumo de
opioides no Brasil citado no início da reportagem é de um estudo do Grupo de
Estudos da Dor da Universidade de Wisconsin - Madison, nos Estados Unidos, e
diz respeito a 2012, data da última atualização do mapa que engloba todos os
países do mundo.
Segundo a Anvisa,
"não há estudos científicos na Agência que permitam afirmar que o consumo
desta substância é baixo. Para tanto, seria necessário desenvolver uma
pesquisa interinstitucional e multidisciplinar, pois além de dados da oferta, é
necessário ainda obter e analisar dados sobre a demanda".
O Ministério da Saúde
preferiu não comentar os dados da pesquisa norte-americana por desconhecer seu
contexto. O órgão ressaltou que "seu principal objetivo não é quantificar
o consumo de opioides no país, mas garantir e facilitar o tratamento de todos
os pacientes que tenham indicação médica para usar esses medicamentos".
Outros
países.
O Brasil não está
sozinho no quadro de subtratamento da dor aguda. Cerca de 66% da população
mundial vai morrer sem consumir opioides, seja porque não vai precisar, seja
porque não terá seu sofrimento diagnosticado. Apenas 7,5% da população tem o
consumo adequado desses medicamentos, segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS).
Enquanto isso, nos
Estados Unidos são consumidos 743 mg/per capita, número bastante acima do
indicado. "Os Estados Unidos enfrentam um outro problema de saúde pública,
uma vez que o consumo abusivo desses medicamentos vem resultando em um grande
número de dependentes e até de mortes", afirma Oliveira.
Existe um mercado
negro dessas drogas nos Estados Unidos, o que constitui um grande problema de
saúde pública. "60% dos óbitos ocorridos nos EUA por causa desses
medicamentos são com receitas médicas. Os outros são conseguidos por outras
vias", explica Mansano.
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