FONTE: Manuela Castro, Da TV Brasil (noticias.uol.com.br).
Em nove anos, o
número de leitos psiquiátricos no SUS (Sistema Único de Saúde) diminuiu quase
40%. Em 2006, havia 40.942 leitos em 228 hospitais psiquiátricos. Atualmente,
existem aproximadamente 25 mil leitos psiquiátricos do SUS em 166 hospitais no país.
Essa redução vem
ocorrendo desde 2001, com a aprovação da reforma psiquiátrica no Congresso
Nacional. A lei determina a extinção progressiva dos leitos para internação de
longa permanência em hospitais psiquiátricos.
O autor do texto, o
ex-deputado Paulo Delgado, afirma que essa legislação reflete uma vontade da
sociedade. "O que as pessoas desejam é que os médicos atendam em
liberdade, que não isolem, que encontrem um caminho. Se não for possível a
cura, que seja um tratamento mais humano, que possa dar conforto ao paciente e
tranquilidade à sua família", esclarece Delgado.
Para o presidente da
Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, o ideal é fazer
o tratamento no seio da família, mas existem casos que exigem internação.
"Como dizer que não precisamos internar em hospitais psiquiátricos? Claro
que precisamos. Não se acaba com uma doença por decreto. Há os quadros mais
graves", defende Antônio Geraldo.
Outro desafio da
saída dos pacientes dos hospitais é a retomada do convívio familiar. José
Horácio, que não sabe ao certo a idade que tem, tenta a reaproximação com os
parentes desde 2013, quando saiu da internação em Barbacena (MG). Primeiro, ele
foi morar com a mãe em Araçuai, também em Minas Gerais, e continuou o
tratamento no CAPs (Centro de Atenção Psicossocial), estrutura criada para
atender a pessoas com transtorno mental e substituir a internação.
Depois de mais de
30 anos internado, entretanto, ele não se adaptou a nova vida e acabou
agredindo a própria mãe, Sebastiana Farias. "Ele tem razão em me
estranhar, não foi criado por mim, passou a vida toda no hospital",
desabafa Sebastiana.
Hoje, José Horácio
mora em uma residência terapêutica, local adaptado para pessoas com transtornos
mentais, e visita a mãe de vez em quando. O sonho dele é voltar para o
hospital. "Eu estou com saudades de lá. Não quero ficar aqui não. Aqui não
tem nada para fazer", afirma José Horácio.
Antes das discussões
do projeto de lei da reforma psiquiátrica, que tramitou no Congresso por doze
anos, diversos movimentos sociais se mobilizaram pela humanização do tratamento
e pelo fim dos manicômios, nos anos 1970. Depois de quase 40 anos de luta
antimanicomial, o Ministério Público ainda recebe denúncias de maus-tratos,
internações compulsórias e estruturas precárias em hospitais e clínicas
psiquiátricas que atendem pelo SUS. Em Barbacena, Minas Gerais, cidade onde
centenas de pessoas permanecem no regime de internação de longa permanência, há
82 investigações em andamento no Ministério Público, na área de saúde mental.
Residências Terapêuticas.
Um dos principais
símbolos da humanização na psiquiatria é uma casa. O direito básico do homem à
moradia foi devolvido a milhares de brasileiros com transtornos mentais por
meio do projeto das residências terapêuticas, que começou no ano 2000. A ideia
era tirar os pacientes dos antigos manicômios para que eles voltassem a ter
contato com a sociedade, em um lar com cuidadores e o atendimento de psicólogos
e assistentes sociais.
Atualmente, existem
620 residências terapêuticas em todo o país. Em Barbacena (MG), onde havia o
maior hospício do Brasil, são 32 residências, coordenadas pela assistente
social Leandra Vidal.
"Buscamos a
autonomia do ex-interno. Fazemos de tudo para que eles passem a desejar as
coisas, para que tomem as rédeas da própria vida. Antes, nós saíamos para
comprar roupas para eles, mas hoje já escolhem o que gostam e vão comprar o que
precisam. Também procuramos ensinar noções de economia, para que saibam gastar
o benefício de prestação continuada que ganham do governo", explica
Leandra.
A assistente social
Adriane Oliveira trabalha nas residências terapêuticas desde o inicio do
projeto. Ela afirma que a maior dificuldade que enfrenta é o preconceito.
"Nós já tivemos situações de vizinhos que reclamaram de morar perto de
pessoas que vieram de um hospital psiquiátrico, porque elas poderiam ser
agressivas. No início do projeto, inclusive, nós tivemos dificuldade de
conseguir as casas para alugar, porque as imobiliárias não queriam os
ex-internos nas residências".
Os moradores têm uma
vida agitada. Eles participam de oficinas em centros de convivência, pedem para
comemorar os aniversários com bolo e guloseimas e adoram cuidar da casa.
Geraldo Antônio da Silva, 62 anos, passou 33 anos internado num manicômio.
Agora ele se sente livre para fazer o que gosta. "Eu tenho cachorro, tenho
galinha e cuido das minhas plantas. Também tenho uma hortinha que eu
adoro", afirma sorridente.
Em uma das
residências terapêuticas de Barbacena moram Adelino Rodrigues, 68, diagnosticado
com epilepsia, e Nilta Chaves, 55, que sofre de catatonia. Uma união que para
muitos era improvável, mas que já dura quase dez anos. Eles juraram amor eterno
diante do altar e ganharam uma festa de casamento. Ex-internos do hospício,
aprenderam juntos a enfrentar preconceitos, a cuidar um do outro e da própria
casa, e a amar. "A gente nunca briga, nunca xingamos aqui em casa, é
excelente", orgulha-se Adelino.
Outra história cheia
de conquistas é a de Rosalina de Oliveira, 57. Ela já realizou os dois grandes
sonhos de sua vida. O primeiro foi morar em uma casa sem ter que dividi-la com
um monte de gente, como acontece normalmente nas residências terapêuticas. O
segundo, e mais importante, foi encontrar a filha que teve durante o período de
internação no hospício. Nessas instituições, as mães não podiam ficar com as
crianças, que iam para orfanatos ou para a adoção. A própria filha de Rosalina,
hoje adolescente, foi atrás da mãe biológica. Hoje, a alegria de Rosalina é
receber a menina em casa. "Ela é uma gracinha. Vem me ver sábado e
domingo. Gosto muito da minha gracinha". Rosalina finalmente se libertou
das injustiças que, por décadas, aprisionaram os supostos loucos.
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