Cientistas conseguiram
reconstruir e sintetizar, pela primeira vez, todo o DNA de um organismo vivo em
laboratório. Trata-se da bactéria Escherichia coli, que habita o intestino
humano, e ganhou um novo "design" genético.
O estudo, realizado por
pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular, no Reino Unido, é mais um
passo no campo da biologia sintética e pode dar pistas para avanços que vão
desde tratamentos de doenças genéticas até ações de combate à poluição.
O DNA funciona como um
"manual" que orienta a sintetização de proteínas pelos organismos
vivos. É, portanto, o material genético que comanda todas as funções das
células e seu crescimento. Em vez de apenas copiar esse manual e seguir as
ordens tal como apareciam para produzir uma versão idêntica da bactéria
Escherichia coli, os cientistas editaram o DNA, suprimindo partes consideradas
redundantes.
Comparando com um
livro, é possível dizer que o código genético pode ser escrito com apenas
quatro letras, batizadas de A, T, G e C. Combinadas em trios, essas letras
formam "palavras", os aminoácidos, que, juntos, formam as proteínas.
Há 64 combinações
possíveis para esses trios de letras (chamados na Biologia de códons), mas
apenas 20 aminoácidos no mundo. Essa discrepância levou os cientistas a tentar
decifrar quais dessas "palavras" poderiam ser trocadas por outras já
usadas sem prejuízo para a formação das células.
Eles conseguiram
reduzir de 64 para 61 o número de trios de letras usados. Para isso, tiveram de
fazer mais de 18 mil trocas de códons redundantes. Ao reescrever o código
genético inteiro da bactéria com a ajuda de um computador, obtiveram um
"manual" do tamanho mesmo de um livro, dos grandes, com dezenas e
dezenas de páginas. Foi com esse roteiro em mãos que eles produziram
quimicamente as substâncias e as encaixaram pouco a pouco.
O resultado foi
surpreendente: o processo deu origem a uma bactéria geneticamente mais enxuta,
que conseguiu sobreviver. Batizado de Syn61 - em referência ao novo número de
códons -, o organismo de laboratório tem um desenvolvimento apenas um pouco
mais lento do que o original.
A pesquisa, publicada
na revista científica Nature, é inovadora porque, até então, outros estudos
mostraram ser possível sintetizar o DNA de uma bactéria, mas sem editá-lo
completamente para uma versão mais reduzida.
Além disso, nunca houve
antes uma sintetização de DNA tão extensa. "Até onde sabemos, a escala de
substituição genômica na Syn61 é aproximadamente quatro vezes maior do que a
relatada anteriormente", escreveram os autores. Agora, os pesquisadores
querem entender melhor as consequências do novo design e investigar novas
formas de recodificação.
Aplicações.
Para Mayana Zatz,
geneticista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), o estudo pode
dar pistas para novas descobertas até mesmo na área da Medicina.
"Para quem
trabalha, como eu, com doenças genéticas, saber que se pode deletar códons e
ainda ter um gene funcional pode ser importante. Ajuda a entender melhor quais
os códons essenciais e quais podem ser deletados sem consequências", diz
Mayana. "Existem doenças genéticas em que há uma expansão de sequências de
DNA. Uma das estratégias que se pensa é poder deletar sequências que estão a
mais."
Imagina-se que a
Escherichia coli redesenhada possa ficar mais protegida contra a invasão de
alguns tipos de vírus - e essa característica também pode ajudar em pesquisas
sobre doenças e tratamentos.
Por outro lado, a
reprodução dos organismos não traz risco à saúde, já que a bactéria é abundante
na natureza e está até na flora intestinal. Para Mayana, o estudo abre o campo
para sintetizar outros organismos. "Bactérias que poderiam destruir, por
exemplo, o petróleo jogado no mar. Podemos pensar em inúmeras utilidades."
O campo da biologia
sintética vem despertando interesse nos últimos anos por suas aplicações
práticas. Hoje, já são desenvolvidos organismos modificados para a produção de
substâncias sintéticas como a insulina, considerada até mais eficaz.
*** As
informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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