FONTE:
Helena Bertho, do UOL, em São Paulo
(http://estilo.uol.com.br).
Quando uma história de traição vem à tona, é
muito comum que se considere a amante a vilã, pivô de um relacionamento
abalado. Mesmo que seja solteira, ela é quem acaba levando a culpa pela traição
e não o homem que traiu.
"Isso é fruto de uma crença machista de que
a mulher deve suportar e manter a sagrada família, ao mesmo tempo em que mitos
a colocam no papel da sedutora que traz o pecado. Assim fica fácil tirar a
responsabilidade do homem, culpar a 'mulher tentadora' e perdoar o marido
infiel", comenta a psicóloga Ana Maria Zampieri.
"Elas são fantasmas ameaçando o
casamento alheio".
O linchamento público da amante é algo recorrente
na mídia e na história. Há quase dois séculos, a Marquesa de Santos, amante do
imperador D. Pedro I, passava algo parecido. "A morte de dona Leopoldina
(esposa de D. Pedro), no final de 1826, aos 29 anos, obrigava D. Pedro a tomar
certos cuidados, pois não faltaram manifestações acusando Domitila (a marquesa)
de ter envenenado a imperatriz", conta a historiadora Mary del Priore, no
livro "Histórias Íntimas" (Ed. Planeta).
Desde então, novas histórias surgem: Isis Valverde, Monica Lewinsky, Christine Ouzounian (babá dos filhos de
Gisele Bündchen), Marion Cotillard e por aí vai. Mas a reação continua a
mesma.
Para a socióloga Mirian Goldenberg, que pesquisa
o tema da traição desde 1988, os casos de amantes famosas tendem a repercutir
de maneira mais agressiva na sociedade do que casos de anônimas. "Elas
representam uma ameaça para todas as mulheres. A simples possibilidade da
existência de uma 'outra' faz com que as mulheres de maneira geral se sintam
ameaçadas. Se isso aconteceu com a Grazi, pode acontecer comigo. É como se
essas amantes fossem sempre fantasmas ameaçando o casamento alheio",
explica.
Amantes anônimas também sofrem julgamento.
Mas isso não quer dizer que as 'destruidoras de
lares' desconhecidas não sofram o julgamento. E isso também tem a ver com o
fato de que a sexualidade feminina ainda é muito controlada e o prazer da
mulher fora do casamento, condenado. Segundo a psicóloga Ana Maria Zampieri,
isso acontece porque "a mulher tem o poder de gerar filhos, então, assumir
o prazer feminino em nossa cultura, coloca em risco a visão de que o homem só
deve colocar seus recursos no próprio filho".
A produtora Marília*,
31 anos, viveu isso quando, aos 21 anos, ficou duas vezes com um homem que ela
nem sabia que era casado. Um tempo depois, foi procurada pela mulher dele com
insultos e ameaças que se estenderam por quase dois anos de ligações até no
trabalho. Entre o medo de que a história chegasse até aos seus chefes e a
repercussão na família, ela teve de lidar com o próprio julgamento.
"Por mais que eu soubesse que o cara deveria
ser o foco dela e não eu, eu me condenava, achando profundamente que deveria
ter resistido, que fiz com ela o que não gostaria que fizessem comigo. Hoje,
vejo toda a carga simbólica que essa história carrega: a sociedade patriarcal
que condena o comportamento feminino. O do homem, porém, permanece intacto,
protegido pelo 'instinto'."
Antes o valorizado era o casamento, não a
fidelidade.
Se a figura da outra sempre existiu,
historicamente, no entanto, a forma como a traição masculina foi vista mudou
bastante, conforme explica Mary del Priore. Nos séculos 18, por exemplo, com a
busca por ouro e as guerras, havia uma mobilidade muito grande, então era comum
que os homens tivessem muitas parceiras, uma em cada lugar. Já no século 19, a
amante era vista como um mal necessário à manutenção do casamento, já que sem
os métodos contraceptivos as mulheres viviam grávidas. "O que era
valorizado não era a fidelidade, mas o casamento em si", explica a
historiadora.
Conforme o século 20 avança, as coisas vão
mudando. "Com o cinema, passa-se a valorizar demais a paixão, que passa a
ser transferida para dentro da vida conjugal. Aí a noção de adultério se
revestiu de uma nova mentalidade. É o rompimento do pacto, o abandono, a
rejeição." Nesse contexto, a amante cada vez mais assume o papel da
responsável por isso.
Como resume Mirian Goldenberg, "lá atrás, a mulher
não queria ser outra, ela queria ser oficial. Nos últimos anos, ela ficou mais
independente e exigente, agora ela quer ser a única".
Todas unidas contra ele.
Para o psicólogo Frederico Mattos, autor do livro
"Relacionamentos para Leigos" (Alta Books), culpar a amante pela
traição é uma forma de terceirizar os problemas do relacionamento.
"Atribuir à outra mulher a problematização da história poupa a todos do
inconveniente do casamento fragilizado e do caráter duvidoso do parceiro. Basta
acabar com a amante que tudo voltaria ao normal. É nessa visão ingênua dos
relacionamentos que as traições começam e supostamente são interrompidas, até
que um novo ciclo reinicie", explica.
Com a popularização do feminismo nas redes
sociais, o cenário tem mudado, abrindo espaço para um olhar da amante como
sendo também vítima da enganação do homem traidor. Foi pensando assim que Kelly*, 46 anos, decidiu procurar as mulheres com quem
suspeitava que seu namorado saía. "Eu mandei mensagens para elas com esse
pensamento, de que elas não sabiam de mim. Falei que éramos namorados, que
achava que ele me traía e queria confirmar. E de todas, as três, veio a
confirmação", conta.
Sabendo umas das outras, as quatro namoradas ao
invés de se odiarem, resolveram se unir para superar a dor. Todas terminaram
com o homem e ainda marcaram de se encontrar pessoalmente. Acabaram se tornando
amigas e até viajaram juntas. Imagine como seria se Isis e Grazi tivessem feito
isso?
*os nomes foram
modificados a pedido das entrevistadas.
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