FONTE: *** Maurício de Souza Lima, https://mauriciodesouzalima.blogosfera.uol.com.br
As aulas acabam e a
moçada que fica em casa vai dormir muito mais tarde do que normalmente. Sempre
foi assim, cá entre nós. Poder ir para a cama quando bem entender é uma espécie
de bônus dos dias de descanso, quando não se tem horário rígido para acordar.
Mas, nos tempos atuais, as coisas saíram um pouco de controle. As redes
sociais, os jogos de computador, os videogames — tudo isso espanta de vez o
sono e é um convite para varar a madrugada noite após noite.
No mundo virtual, o
grupo de amigos continua reunido e escuto com frequência que os próprios
adolescentes combinam entre eles de só se largarem quando o dia amanhecer. É
quase um desafio. Aí, sim, dormem e só vão despertar no meio da tarde. Noutro
dia, atendi um paciente que me disse abrir os olhos às 8h — e instantes depois
entendi que, na verdade, acordava às 20h. Claro, é um caso extremo. Mas meninos
saindo das cobertas no meio da tarde é uma cena comum em muitas casas.
Alguns efeitos disso
são mais evidentes. O garoto ou a garota — se bem que esse é um comportamento
ligeiramente mais comum em meninos, pelo que noto no dia a dia — segue um
horário completamente diferente do restante da família e a convivência sai
perdendo. Mais essa: com frequência esse adolescente perde o horário do almoço
e passa o dia, ou o que restar dele, comendo todo tipo de tranqueira. Ok, mesmo
que só tenha alimentos mais saudáveis a mão, fará lanches no lugar das
principais refeições.
Talvez você raciocine:
ninguém se tornará desnutrido ou obeso se ficar apenas um mês deixando de lado
uma alimentação como manda o figurino. Pode ser… Mas aí eu devolvo o seguinte:
se eu fizer um exame de colesterol e de triglicérides nesse jovem antes e
depois das férias, é bem provável que encontrarei diferenças importantes nos
níveis dessas substâncias. E, claro, tudo poderá se normalizar depois, com os
hábitos diurnos, digamos assim, estabelecidos. A questão maior não é essa. O
problema é que trocar a noite pelo dia, em qualquer idade, provoca uma bagunça
tremenda no ritmo biológico.
Existem funções no
nosso organismo programadas para acontecer durante o dia. E outras que deveriam
se desenrolar ao longo da madrugada. Quando eu inverto tudo, o intestino começa
a funcionar em outro ritmo, a fome aparece em horas inadequadas, até o hábito
urinário se altera. Funcionando desse jeito, desregulado, o corpo não chega em
bom estado ao reinício das aulas —pior ainda para aqueles casos que têm alguma
prova de recuperação no início de agosto. O cansaço físico, o sono e a
desatenção tendem a ser constantes. Depois de mais vinte dias trocando os
horários, ninguém volta a entrar no ritmo de uma hora para outra. Pode levar de
uma semana a dez dias.
O ideal seria — como
sempre — tentar o diálogo logo no início das férias, apelando para aquilo que o
adolescente mais dá valor. Se ele está preocupado em crescer, mostre que o
crescimento fica prejudicado. Se está naquela fase de querer ganhar um pouco
mais de músculo, conte que, ao trocar a noite pelo dia, a massa muscular é uma
das primeiras a ir para o espaço, tanto por razões fisiológicas como pelo fato
de que não sobrará ânimo para praticar um esporte na manhã seguinte. Claro,
ninguém vai conseguir convencer um adolescente a ir para a cama cedo nas
férias, mas tente ao menos estabelecer um limite de horário de dormir, ainda
que um pouco mais tarde, que facilite as coisas depois.
E uma boa estratégia
será ir antecipando o toque do despertador em uma hora por dia, em uma espécie
de contagem regressiva, até que o momento de acordar volte ao habitual. Caso
contrário, ao pisar na escola, o adolescente terá a sensação de que estará
chegando de uma viagem ao outro lado do mundo. Para o seu organismo, em outro
fuso horário, será bem isso mesmo.
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